Cimi pede desmonte da cadeia do garimpo ilegal
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) divulgou nota em que afirma que a proteção ao povo Yanomami só será efetiva com o desmonte da cadeia de garimpo e apuração dos crimes. Na nota, o Cimi aponta que o novo Governo começou a dotar uma série de medidas tanto no campo do atendimento à saúde como no da segurança territorial e desintrusão dos garimpeiros de dentro da terra indígena.
Organizações indígenas e aliados vêm denunciando e documentando sistematicamente o que estava ocorrendo dentro da Terra Indígena (TI) Yanomami há, pelo menos, cinco anos, isto significa no período inteiro do antigo Governo. O ponto de inflexão na retomada maciça do garimpo dentro do território começou a ser constatado ainda em 2017, quando informações davam conta da proximidade de acampamentos de garimpeiros com relação a aldeias do grupo indígena Moxihätëtëa, em situação de isolamento voluntário, na região da Serra da Estrutura. Em junho de 2018, a Hutukara Associação Yanomami (HAY) já havia denunciado o provável assassinato de dois indígenas isolados Moxihätëtëa por garimpeiros naquela mesma região.
Uma Ação Cível Pública do Ministério Público Federal (MPF) resultou, já em novembro de 2018, numa decisão firme da Justiça Federal, obrigando a União a reestabelecer as Bases de Proteção Etnoambiental desativadas no território Yanomami. A partir desse momento e até os dias atuais, a situação piorou de forma extraordinária e tudo isso foi amplamente denunciado pelas organizações indígenas e seus aliados, de forma permanente, inclusive com estudos altamente qualificados.
O tema ganhou relevância a partir, principalmente, de maio de 2021, quando todo o país assistiu as imagens do tiroteio contra a comunidade Yanomami de Palimiú, no interior da terra indígena, e à série de ataques armados que se seguiu durante os meses seguintes. Neste período de quatro anos, entre o final de 2018 e de 2022, outras decisões judiciais no âmbito do Poder Judiciário brasileiro, incluindo a mais alta instância, o Supremo Tribunal Federal (STF), e também a publicação de uma medida cautelar por parte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em maio de 2020, em plena pandemia. Todas estas medidas foram sistematicamente descumpridas e desconsideradas pelo governo federal, presidido por Jair Bolsonaro.
No Governo Bolsonaro, atividade do garimpo ilegal cresceu dentro da TI Yanomami, adquirindo uma maior complexidade de meios disponíveis, de maquinário e tecnologias de comunicação, bem como uma maior capacidade de destruição. O avanço da atividade coincidiu com a desestruturação do sistema de atendimento à saúde do povo Yanomami através do Distrito Especial de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana e da Secretaria Especial de Atenção à Saúde Indígena (Sesai).
Segundo a nota do Cimi, postos de saúde foram abandonados e desabastecidos, quando não ocupados pelos próprios garimpeiros; as equipes de profissionais de saúde ficaram sem condições para as tarefas de atenção primária nos postos e, a partir deles, nas visitas periódicas às comunidades. Atualmente, há um aumento da violência contra os Yanomami, piora significativa dos indicadores de saúde relativos à malária, à desnutrição, à verminose ou a doenças respiratórias.
Em janeiro de 2023, o novo governo federal decretou a Emergência Sanitária de Saúde Pública e começou a fazer um levantamento detalhado das informações e a adotar uma série de medidas que nos parecem absolutamente necessárias e fundamentais. Tais medidas visam ativar as condições emergenciais de atendimento ao povo Yanomami, com o objetivo de salvar vidas; ao mesmo tempo, estas medidas deverão ter como horizonte próximo a recuperação das condições para uma adequada atenção primária dentro do território, em diálogo com as comunidades indígenas, que permita retomar os programas de atendimento, prevenção e cuidado cotidiano da saúde do povo Yanomami. Entretanto, as medidas de emergência sanitária não serão efetivas se não for abordada de forma contundente, firme e permanente a desintrusão do garimpo de dentro da TI Yanomami e de outras terras indígenas no país, bem como o desmantelamento de toda a estrutura de apoio e de toda a cadeia de interesses que há por trás do garimpo e que envolve agentes públicos e privados.
As iniciativas de controle do tráfego aéreo e fluvial, adotadas no início de fevereiro eram necessárias e possíveis – o que só evidencia, mais uma vez, a falta de vontade política do governo anterior, manifesta em sua permanente omissão. O Cimi diz que estas medidas tem que ser acompanhadas por outras, como o controle da venda de combustíveis ou mantimentos por parte de empresários locais e, efetivamente, a continuidade das investigações até chegar aos mandantes e articuladores da rede criminosa que lucra com a destruição do território e dos meios de vida da população Yanomami.
A saída dos garimpeiros deverá ser acompanhada de medidas de apuração dos crimes cometidos contra o povo Yanomami: assassinatos, ameaças, intimidações, exploração sexual, aliciamento e destruição do ambiente, com o qual os Yanomami tecem, com uma riqueza cultural imensurável, sua visão de mundo e seu projeto de vida. Segundo o Cimi, os crimes precisam ser apurados; do contrário, o Estado passaria a mensagem de uma naturalização da violência contra os povos indígenas e de uma impunidade absolutamente inaceitáveis, alimentando as condições para que esta violência continue também em outros territórios.
Um ponto preocupante para a organização é a proposta do projeto de lei de autoria do governo estadual de Roraima, presidido por Antônio Denarium, aprovado pela Assembleia Legislativa do estado em janeiro de 2021 e suspenso um mês depois pelo STF. Além de autorizar de forma irresponsável o uso do mercúrio, organizações indígenas e a sociedade civil chamaram a atenção para o fato de que a regularização do garimpo “fora da terra indígena” acabaria servindo, de forma evidente, para a lavagem do ouro que continuaria sendo retirado ilegalmente dentro dos territórios indígenas.
“Entendemos que o atual governo federal precisa manter a firmeza e a coesão, compreender o histórico da região e, sobretudo, escutar com maior profundidade aos povos indígenas e suas organizações”. As responsabilidades políticas, civis e criminais, de acordo com a Cimi, deverão ser apuradas com rigor e deverão alcançar os mais altos interesses econômicos e políticos, tanto no âmbito do governo federal anterior como no âmbito do poder Legislativo.