Por Valdo Marques *
Após grandes apertos em 2021, estamos começando a superar o desafio que o Brasil passou para evitar colapsos no fornecimento de energia elétrica. No ano passado, a falta de chuvas fez com que o nível dos reservatórios das hidrelétricas do Sudeste e do Centro-Oeste chegasse a 22,53%, o menor patamar dos últimos 20 anos, trazendo de volta, após 91 anos, a pior crise hídrica ao Brasil, impactando diretamente no preço da conta de luz ao consumidor. As duas regiões representam 70% da capacidade de armazenagem do sistema elétrico.
Esse contexto foi somado à escassez de peças e insumos, decorrente do desarranjo logístico mundial, em função da pandemia Covid-19. Também houve um disparo na busca por grupos geradores, principalmente em setores como o da construção civil, indústria alimentícia, saúde, tecnologia, condomínios residenciais e agronegócio. A Stemac, por exemplo, maior especialista na fabricação e comercialização de grupos geradores, registrou um aumento de 40% no período mais crítico.
O acréscimo no valor da energia elétrica aos consumidores, de R$ 9,49 para R$ 14,20 para cada 100 kW/h consumidos, foi necessário para bancar os custos com a maior utilização das usinas termoelétricas. No entanto, mesmo com este aumento e o governo instituindo o Programa de Incentivo à Redução Voluntária de Energia Elétrica, com direito a pagamento de um bônus a cada quilowatt-hora (kWh) economizado, os brasileiros aumentaram em 5,2% o consumo de energia elétrica em 2021, em relação ao ano anterior, conforme dados da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE), em seu Boletim Trimestral de Consumo de Eletricidade.
Em dezembro, a demanda subiu 2%, alcançando 42.937 GWh, sendo a melhor marca para o mês desde a série histórica da entidade, que acontece desde 2004. Comércio e indústria puxaram a expansão, com acréscimos de 6,7% e 2,9%. O mercado livre apresentou alta de 6,7% no período, enquanto o consumo cativo das distribuidoras retraiu 0,6%.
Fato é que a crise hídrica já reúne muitos prejuízos, principalmente para as geradoras dependentes das hidrelétricas, que, sem água nos reservatórios, recorreram a preços elevados do mercado de curto prazo para honrar seus contratos de fornecimento. As distribuidoras, por sua vez, acumularam um déficit de R$ 12,4 bilhões até novembro do ano passado, já que a conta bandeira não se mostrou suficiente para equilibrar a equação receita/custo.
É essencial entender que a harmonização do nosso sistema de abastecimento de água está baseada em três pilares: o ciclo anual de chuvas, que recarrega os reservatórios; o trabalho das companhias de saneamento básico para captar, reservar, tratar e distribuir água; e o uso consciente por parte da população, evitando o desperdício e revendo hábitos individuais e coletivos do dia a dia.
Para isso, no entanto, falta eficiência para reter ao máximo a água da chuva; investimento em novas soluções, principalmente em regiões mais remotas, sem acesso à energia elétrica fornecida pelas concessionárias; e uma discussão fundamentada em dados, estudos e fatos, com objetivo de se trazer um modelo que possa, de fato, representar uma redução no preço final da energia para o consumidor e um tratamento mais equilibrado de riscos para todos os elos da cadeia do setor elétrico.
* Valdo Marques é Vice-Presidente Executivo da Stemac.