Pesquisa visa extração do ouro mais sustentável
Inspirado na experiência de Chocó, na Colômbia, em 2020, a designer de joias Raquel de Queiroz realizou pesquisa com foco na caracterização química das folhas de pau-de-balsa. Com financiamento próprio, a designer queria entender as propriedades da folha. “Quando fiquei sabendo dessa possibilidade já em prática na Colômbia, imaginei que a ciência poderia nos ajudar a utilizar o pau-de-balsa de forma mais efetiva”, relata a designer. Segundo ela, a melhoria de processos é importante e necessária, além de contribuir com a qualidade na saúde e ambiental das pessoas e locais envolvidos no processo. “Nosso produto é produzido de acordo com práticas modernas e mais sustentáveis”, avalia.
Em 2023, o estudo ganha uma nova fase a ser coordenada pela Embrapa Florestas (PR) em parceria com a Embrapa Agrossilvipastoril (MT), Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), Cooperativa dos Garimpeiros do Vale do Rio Peixoto (Coogavepe), Universidade Estadual de Maringá (UEM) e Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O primeiro estudo mostrou que bioextratores obtidos a partir de folhas de pau-de-balsa (Ochroma pyramidale), árvore nativa da Amazônia, podem ser uma alternativa viável e sustentável para a extração de ouro em substituição ao mercúrio. Agora, uma nova etapa vai estudar quais formulações de bioextratores podem ser competitivas com o mercúrio tanto no processo de extração quanto na redução do impacto na saúde de trabalhadores e no meio ambiente. As folhas de pau-de-balsa já são usadas de forma artesanal na região de Chocó, na Colômbia, com essa finalidade. “Selecionamos um garimpo da Coogavepe, parceira do projeto para coleta de amostras e para a comparação da extração tradicional com mercúrio com o bioextrator”, explica Marina Morales, pesquisadora do Embrapa. No local, serão recolhidas amostras dos concentrados de minério aluvionar, ou seja, material com ouro concentrado que iria para o processo de separação com mercúrio.
O objetivo é produzir um bioextrator atóxico, competitivo com o mercúrio e sair da prática artesanal para escala em pequena mineração, com análises de toxicidade e citotoxicidade e práticas que facilitem o uso. Os resultados devem ser apresentados até o início de 2025. Posteriormente, o estudo vai trabalhar com o sistema de produção do pau-de-balsa, já que essa espécie florestal é uma alternativa para a recuperação de áreas degradadas nos próprios garimpos. Com isso, plantios poderiam ser feitos no mesmo local de produção do bioextrator, viabilizando uma biofábrica local. “Assim, além de fornecer matéria-prima – folhas –, as árvores do pau-de-balsa podem contribuir para a revegetação da área antropizada, dando condições para o estabelecimento de outras espécies florestais e possibilidade de exploração da madeira do pau-de-balsa no final do ciclo de crescimento”, afirma o pesquisador da Embrapa, Maurel Behling.
Gilson Camboim, presidente da Coogavepe, diz que “a pesquisa traz boas expectativas para a atividade garimpeira, como a substituição do mercúrio por um produto sustentável e o barateamento do processo de extração, já que o elemento químico tem alto custo”. Para a ex-presidente da Coogavepe, Solange Luizão Barbuio Barbosa, que iniciou as discussões para participação no projeto, “o resultado pode ser pensado não só como uma simples produção de um bioextrator, pois ele abre outras vertentes para a utilização dessa planta, como o reflorestamento de áreas degradadas e a utilização da madeira, que podem beneficiar o proprietário de uma área lavrada”.
O concentrado de ouro que segue para a amalgamação para inserção do mercúrio, etapa em que o metal é finalmente extraído e separado dos demais minerais, irá para os laboratórios para os testes dos bioextratores com pau-de-balsa. A primeira fase do projeto encontrou quatro possíveis formulações que serão testadas e comparadas. Essas formulações de bioextratores serão avaliadas quanto à eficiência em recuperar ouro em minério aluvionar. O bioextrator com melhor desempenho passará por ajustes com o objetivo de melhorar ainda mais a extração, e também será estudado o processo mecânico a ser utilizado na extração. A eficiência da extração será comparada ao processo tradicional por amalgamação com mercúrio. A pesquisa irá verificar também análises de toxicidade e citotoxicidade (este último, com um indicador animal e um vegetal). “Além da nossa equipe de pesquisa e laboratório, o projeto também vai receber estudantes de graduação e pós-graduação para abrangermos diferentes linhas de pesquisa, possibilitando resultados mais completos”, explica a pesquisadora.
A amalgamação é um processo de junção das partículas de ouro ao mercúrio, formando uma liga metálica que, depois, é de fácil separação por aquecimento. O processo de separação, em garimpos legalizados, ocorre em centrais de amalgamação, de modo a reduzir a emissão de mercúrio para o meio ambiente. Já em extrações ilegais, esse processo ocorre a céu aberto, carregando o mercúrio por quilômetros. Porém, o mercúrio é um elemento perigoso para a saúde humana, pois pode ser inalado ou consumido, tem ação cumulativa no corpo humano e traz sérios riscos à saúde e ao ambiente. No ser humano, o acúmulo pode levar à síndrome neurodegenerativa, por envenenamento, chamada de doença de Minamata. Na década de 1950, no Japão, uma fábrica jogava seus dejetos na baía de Minamata, o que causou a contaminação de peixes, frutos do mar, gatos e seres humanos. Entre os sintomas, estão a dificuldade de coordenação das mãos e dos pés, distúrbios da fala e dificuldades de equilíbrio. A doença causou a morte de duas mil pessoas e deixou outras milhares com sequelas. Diante disso, foi criada, em 2013, a Convenção de Minamata, da qual o Brasil se tornou signatário em 2017. Composta por 140 países, a Convenção de Minamata tem sua origem no Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente e visa reduzir as emissões e eliminar o uso de mercúrio, a fim de proteger a saúde humana e o meio ambiente.