Brasil de contradições: o saldo da Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias
Belém (PA) tem se tornado palco de inúmeras atividades setoriais que visam discutir o futuro da Amazônia, especialmente depois da campanha promovida pelo presidente Lula para que a COP 30 aconteça na cidade, em 2025. Só no mês de agosto foram múltiplos eventos, entre eles a Cúpula da Amazônia, que reuniu chefes de estado e representantes dos países que compõem a Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA). Assim como as inúmeras críticas à “Declaração de Belém”, principal documento resultante da Cúpula, é de se pensar o que esses inúmeros eventos pré-COP estão entregando de novo ou estratégico para o futuro da maior floresta tropical do mundo e o que realmente precisa ser debatido setorialmente nos próximos 2 anos.
A Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, organizada pelo IBRAM, organização que representa o setor da mineração no país, ocorreu entre 30 de agosto e 1 de setembro, logo após o tradicional evento das empresas mineradoras, a EXPOSIBRAM. Diferentemente dos anos anteriores, a conferência deu oportunidade às empresas ali presentes, e outros players interessados na discussão, debaterem pontos chave como infraestrutura, investimentos, mudanças climáticas, minerais estratégicos, bioeconomia, entre outros assuntos. O evento contou ainda com presenças ilustres como o ex-secretário geral da ONU, Ban-Ki Moon, o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair e a ex-ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira.
Porém, presenças igualmente ilustres estiveram ausentes das mesas de debates, seja como palestrantes, representantes e até mesmo como participantes: os povos da floresta. Com poucos rostos negros e indígenas , os povos da floresta foram representados por personalidades como a liderança Neidinha Suruí, que participaram do evento em mesas segmentadas para comportarem “o chão da floresta”. Lideranças indígenas e quilombolas participaram da mesa “Povos indígenas e tradicionais” e algumas mesas contaram com representantes de organizações do território. E é justamente destes poucos representantes, dentre os 180 painelistas, que emergiram as falas de maior impacto quando se trata do futuro deste território.
Na mesa inaugural, intitulada “O que a Amazônia oferece & o que o mundo precisa”, Joanna Martins, CEO da Manioca, trouxe a provocação: “Ouso complementar o título da mesa. É o que a Amazônia tem a oferecer, o que o mundo precisa, mas também é o que o amazônida quer”. A fala abarca especialmente o maior déficit que eventos deste porte apresentam: a ausência da escuta territorial qualificada. É válido discutirmos o futuro da Amazônia entre empresários, investidores, ONGs e políticos importantes, sem a presença das populações interessadas?
Diante dessa ausência, ações da porta para fora do evento emergiram: manifestações com representantes de movimentos sociais e dos povos indígenas que denunciavam os impactos da mineração na Amazônia ocorreram durante ambos os eventos, a EXPOSIBRAM e a Conferência. Os manifestantes encontraram ali uma enorme barreira policial, um contingente de segurança muito maior do que existe em muitas cidades amazônicas, como pontuou um dos painelistas.
A presença do ministro do STF, Gilmar Mendes, que fechou a Conferência com colocações como “vamos minerar em territórios indígenas com ou sem os indígenas” evidencia uma problemática que há anos os ambientalistas e setores de sustentabilidade vem denunciando: a falta de integração das agendas de negócio com os valores e princípios éticos, tanto ambientais como sociais, do conceito de desenvolvimento sustentável. Sem eles, todo o discurso ESG cai por terra. Essa separação ficou bastante evidente também na fala de outros painelistas, como quem separa o joio do trigo, em temas que precisam estar integrados.
Mas o que levar do evento? Entre os principais problemas apontados para o avanço de uma agenda de novas economias na Amazônia está a necessidade de investimento em infraestrutura. Pelas contas do Banco Mundial, seriam necessários 68 milhões de dólares investidos até 2030 para atingir os patamares condizentes com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Dados como a ausência de conectividade, infraestrutura de transporte e logística, por exemplo, foram apresentados sem grandes soluções.
A cadeia das incoerências dos grandes empreendimentos com a agenda de desenvolvimento sustentável segue seu curso quando o assunto é orçamento público. A baixa infraestrutura na Amazônia tende a afugentar os investidores e manter o território como exportador de bens primários. Isso significa, em outras palavras, que sem empresas transformadoras no território, não há arrecadação de impostos robustos para a realização dos investimentos em políticas públicas necessários ao desenvolvimento da região, além da ausência de empregos. Isso fica claro nas discussões acerca da reforma tributária, onde empresas dos setores minerais, agro e petróleo e gás, advogam contra o aumento de impostos para criação de fundos de desenvolvimento na região. Investimentos que, enquanto voluntários, ainda não são volumosos para atenderem às necessidades iminentes das populações locais.
O debate sobre as possíveis soluções para os problemas socioeconômicos da região amazônica, portanto, joga a responsabilidade nos Estados, enquanto não discute princípios de corresponsabilidade do setor privado. Durante o evento, ficou claro como o bonito discurso do compromisso com o desenvolvimento sustentável está desalinhado com o mundo dos negócios. A título de exemplo, só a indústria farmacêutica cresce 15% ao ano com produtos derivados da sociobiodiversidade, mas toda essa riqueza não fica na Amazônia e é disso que os amazônidas falam - quando estão presentes.
Mas como é possível ir para além do discurso? Desde 2023, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um dos maiores investidores de infraestrutura e potencial parceiros para essa transição econômica na Amazônia, não financia mais projetos que não colaborem com as metas globais. O que se entende é que os investimentos mais robustos, que são primordiais para que alcancemos a bioeconomia, não virão dos pequenos projetos de responsabilidade social corporativa.
Enquanto países como a Colômbia e o Equador já questionam se a atividade minerária na amazônia é mesmo possível, exigindo altíssimos padrões de adequação em prol da preservação da floresta e dos povos anfitriões, o Brasil segue oferecendo flexibilizações ao capital global, e ponderando sobre exploração petrolífera na região, colocando em cheque as poucas conquistas das políticas públicas brasileiras para a preservação do bioma e mantendo a Amazônia como um território de exportação primária.
O que realmente fica da Conferência é a percepção de que pouco mudou sobre essa problemática. Em mais de 27 painéis e 54 horas de debate, não houve discussão sobre a PL 490, do Marco Temporal, por exemplo, cuja votação ocorreu simultaneamente ao evento, e é tema de maior interesse dos povos originários. O projeto de lei foi mencionado uma única vez, pela liderança indígena Puyr Tembé, hoje Secretária de Povos Tradicionais do Pará.
É sintomático a baixa participação e representação dos povos amazônicos na Conferência, principalmente diante de temas que dizem respeito ao seu futuro e existência. É preciso construir uma nova economia para a Amazônia, que não será implementada a partir dos moldes clássicos do desenvolvimento econômico global, mas segue sendo debatida entre os mesmos players. Como bem disse a Secretária de Povos Tradicionais do Pará, Puyr Tembé: “É preciso que esse setor empresarial compreenda que não pode haver dentro do seu coração apenas pepitas”.
Luciana Sonck é mestra em planejamento territorial, especialista em governança e sócia-fundadora e CEO da Tewá 225