32,5% dos municípios brasileiros não tem nenhum sistema de drenagem

23/04/2025
A drenagem e manejo de águas pluviais urbanas ajudam a controlar o escoamento das chuvas e a prevenir alagamentos, erosão do solo e deslizamento de encostas.

O Instituto Trata Brasil e a GO Associados divulgou o “Estudo sobre o setor de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas no Brasil”, que fornece um diagnóstico sobre a prestação desses serviços essenciais para as cidades brasileiras e indica possíveis caminhos para a sua tão necessária melhoria. A drenagem e manejo de águas pluviais urbanas ajudam a controlar o escoamento das chuvas e a prevenir alagamentos, erosão do solo e deslizamento de encostas. No Brasil encontra-se diversos eventos desse tipo, como a enchente do rio Guaíba (Porto Alegre – RS) em 1941, os deslizamentos na Serra das Araras (Estado do Rio de Janeiro) em 1967 e os deslizamentos ocorridos na região serrana do estado do Rio de Janeiro em 2011, os quais resultaram em mais de 947 vítimas fatais e mais de 300 pessoas desaparecidas. Mais recentemente, ocorreu o desastre no Rio Grande do Sul em 2024 que, de acordo com as informações da Defesa Civil do estado, vitimou 183 pessoas e deixou outras 27 desaparecidas. O Atlas Digital de Desastre no Brasil (2023), que reúne dados do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional no período de 1991 a 2023, registrou 25,94 mil eventos hidrológicos de desastres, sendo que nos últimos 15 anos, 74% desses eventos estiveram relacionados a chuvas intensas. Nesse período, os desastres provocaram 3.464 mortes e causaram prejuízos superiores a R$ 151 bilhões, sem considerar os impactos do desastre ocorrido no estado do Rio Grande do Sul em 2024. A recorrência desses desastres expõe a fragilidade da infraestrutura urbana e evidencia a necessidade de integrar a drenagem e o manejo de águas pluviais ao planejamento do saneamento.

O Diagnóstico Temático do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA) para Drenagem e Manejo de Águas Pluviais Urbanas (DMAPU) é um documento técnico produzido pela Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental do Ministério das Cidades. O diagnóstico referente ao ano-base de 2023, divulgado em março de 2025, contou com a participação de 4.958 municípios, representando 89,0% do total de 5.570 municípios brasileiros. Esses municípios abrangem 95,1% da população total do país (195,1 milhões de pessoas). Entre os municípios analisados, 40,44% declararam possuir sistemas exclusivos para drenagem de águas pluviais, enquanto 12,59% operavam sistemas unitários, que combinam esgoto e drenagem em uma única rede. Além disso, 14,48% dos municípios informaram operar sistemas combinados, com configurações exclusivas e unitárias em diferentes trechos, enquanto 32,49% relataram não possuir qualquer tipo de sistema de drenagem. Por outro lado, apenas 3,2% dos municípios (157 ao todo) informaram ter sistemas de tratamento das águas pluviais, prática fundamental para mitigar os impactos ambientais. No que tange à infraestrutura, 78,2% das vias públicas urbanas no Brasil possuem pavimentação e meio-fio, mas apenas 33,5% contam com redes ou canais pluviais subterrâneos. Já os parques lineares, que combinam benefícios ambientais, de lazer e proteção contra inundações, foram identificados em 412 municípios. O diagnóstico revelou, ainda, que apenas 263 municípios, o que representa 5,3% do total, possuem Planos Diretores de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais (PDD), ferramenta essencial para o planejamento estratégico e a redução de riscos associados a eventos hidrológicos extremos. Ou seja, dos 4.958 municípios com informações para o módulo de Águas Pluviais do SINISA, 4.695 declararam não possuir PDD.

Entre 2017 e 2023, os investimentos em Drenagem e Manejo de Águas Pluviais somaram, em média, de cerca de R$ 10 bilhões anuais, com oscilações ao longo do tempo. Segundo estudo desenvolvido pelo então Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), em 2022, seriam necessários R$ 250,5 bilhões em investimentos - a preços de junho de 2023 - para a universalização dos serviços de drenagem e manejo de águas pluviais entre 2021 e 2033, a preços de dezembro de 2021. Ao se descontar os investimentos realizados entre 2021 e 2023, estima-se a necessidade de se investir um montante de R$ 223,3 bilhões, ou R$ 22,3 bilhões ao ano. Seria necessário mais do que dobrar o atualmente praticado. Considerando o valor por habitante, o investimento também deve mais do que dobrar, indo de R$43,79, realizado em 2023, para R$ 117,01.

Em 2023, a Secretaria Adjunta de Recursos Hídricos da Casa Civil da Presidência da República publicou a Nota Técnica nº 1/2023, que tem como objetivo revisar os critérios e indicadores utilizados para identificar municípios brasileiros mais suscetíveis a desastres naturais relacionados a deslizamentos, enxurradas e inundações. Dos 100 municípios mais populosos do país, 94 estão mapeados com algum tipo de risco, segundo o estudo, o que corresponde a 54% da população nas áreas com riscos mapeados. Apenas Maringá (PR), Ponta Grossa (PR), Cascavel (PR), Uberaba (MG), Taubaté (SP) e Palmas (TO) não tiveram riscos classificados na referida base. O estudo aponta que para mudar esse cenário seria necessária a efetiva integração da drenagem ao saneamento básico e sua adequação e planejamento pelos municípios. Com o Novo Marco, os Planos Municipais de Saneamento Básico (PMSB) passaram a ter a obrigação de incluir a drenagem e o manejo de águas pluviais, além do abastecimento de água, esgotamento sanitário e resíduos sólidos urbanos. Entretanto, muitos municípios que elaboraram seus planos antes da referida Lei concentraram-se apenas no abastecimento de água e esgoto, tratando a drenagem e os resíduos sólidos de forma superficial, sem planejamento detalhado ou previsão de investimentos de longo prazo. Isso resultou em planos incompletos, que não incorporam estratégias eficazes para enfrentar os desafios da drenagem urbana

 O estudo do Trata Brasil e da GO Associados identificou que, dentre os entraves para o avanço da cobertura dos serviços de drenagem, estão a ausência de Planos Diretores de DMAPU: são instrumentos indispensáveis para mapear riscos, identificar áreas vulneráveis e propor soluções integradas que minimizem os impactos de inundações e enxurradas. A inexistência desses planos dificulta a captação de recursos externos, uma vez que financiadores e instituições de fomento frequentemente exigem um planejamento técnico como condição para liberar verbas; Insuficiência de mecanismos de financiamento, que se traduz no baixo nível de investimento; Falta de pessoal especializado nos municípios: A falta de especialização limita a adoção de práticas inovadoras. Investir em formação técnica e programas de educação continuada para servidores municipais é fundamental para enfrentar esse desafio e a Dificuldade de adequação da infraestrutura vigente: para superar essas barreiras, é necessário promover políticas públicas que incentivem a adoção gradual de soluções baseadas na natureza, integrando-as às infraestruturas existentes.

Os serviços de drenagem e manejo de águas pluviais no Brasil é majoritariamente do poder público, sendo conduzida, na maior parte dos casos, pelas administrações municipais diretas. Diferentemente de outros componentes do saneamento básico, que frequentemente contam com companhias estaduais ou privadas, os serviços de DMAPU são raramente delegados a entidades privadas ou mistas. De acordo com o diagnóstico do SINISA sobre o setor, dos 4.958 municípios que responderam ao módulo de drenagem e manejo de águas pluviais do SINISA, 4.909 declararam que a operação do sistema é realizada pela Administração Direta, o que representa 99% do total. Importante destacar que nenhum município tem a administração privada dos serviços, o que contrasta com os setores de água e esgoto do saneamento.

A Norma de Referência nº 12/2025 publicada recentemente publicada pela ANA representa um avanço importante ao estabelecer diretrizes claras sobre a estruturação dos serviços, definindo escopo, titularidade e possibilidades de integração contratual com os serviços de abastecimento e esgoto. A norma também promove o uso de infraestrutura verde, incentiva o planejamento integrado com ordenamento urbano e propõe parâmetros mínimos de operação, manutenção e monitoramento dos sistemas. “O cenário da drenagem e manejo de águas pluviais no Brasil é extremamente precário e isso leva a um risco direto para a vida da população. Com as cada vez mais presentes chuvas intensas, não investir no tema é condenar milhões de brasileiros a uma vida de incertezas. E como vamos evoluir no tema se 94,7% municípios do país não contam sequer com um Plano Diretor de Drenagem e Manejo de Águas Pluviais? Os governantes devem aprender com seus próprios erros e os dos seus antecessores, que historicamente negligenciaram essa questão, e priorizar urgentemente os investimentos em drenagem urbana e manejo de águas pluviais”, disse Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil.

Para Luana, neste primeiro ano dos novos mandatos da Prefeituras de todo Brasil, será preciso encaixar no planejamento municipal e nos respectivos orçamentos a necessidade urgente de soluções de drenagem urbana à população. Sócio da GO Associados, Gesner Oliveira, considera que o estudo realizado mostra como a falta de planejamento urbano se reflete na atual precariedade da infraestrutura de drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. “O marco regulatório do saneamento mostra o caminho a ser seguido: distribuição das responsabilidades de planejamento, operação dos serviços e fortalecimento da regulação. É necessário que os municípios criem as condições para a adequada prestação dos serviços e que priorizem também a drenagem urbana como parte do saneamento para assim alavancar investimentos no setor. Quando se compara a média de investimentos dos últimos seis anos (R$ 10 bilhões) com os valores necessários a universalização, nota-se que seria preciso praticamente dobrar o atual patamar para que em 2033 os objetivos fossem cumpridos. Somente com o aumento dos investimentos, associado a uma melhoria da gestão, evitaremos as tragédias climáticas nos espaços urbanos", afirma.