CEOs de concessionárias privadas debatem avanços e desafios do setor
Abrindo o segundo dia de trabalho do 9º Encontro Nacional das Águas (ENA), CEOs dos principais grupos privados que atuam no saneamento afirmaram que apesar dos avanços registrados nos últimos anos, é preciso expandir os investimentos para atingir a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033, conforme determina a Lei 14.026/20. Estiveram presentes nesta mesa: Rogério Tavares, Vice-Presidente de Relações Institucionais da Aegea Saneamento; Marilene Ramos, Diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade da Águas do Brasil; Roberto Barbuti, Presidente da Iguá e Presidente do Conselho de Administração da Abcon Sindcon (Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto); Paulo Roberto, Presidente da GS Inima e Samanta Souza, Diretora de Relações Institucionais da Sabesp. A moderação foi conduzida por Christianne Dias Ferreira, Diretora-Executiva da Abcon Sindcon.
Christianne Ferreira informou que desde a aprovação do Marco do Saneamento, a participação do setor privado em concessões de saneamento nos municípios brasileiros passou de 5% para 30% e, na visão da Abcon, as companhias privadas podem se tornar protagonistas na universalização dos serviços de água e esgoto.
Marilene Ramos iniciou contando que o Grupo Águas do Brasil trabalha no setor de saneamento há mais de 25 anos e relatou a s transformações nas cidades onde a concessionária atua: “temos vários cases de sucesso, como o da Águas de Juturnaíba, através da Prolagos, na região dos lagos, no Rio de Janeiro. Quando a empresa assumiu os serviços na região, acabou com a “indústria dos carros-pipa”, reverteu o processo de degradação do sistema lagunar, especialmente da Lagoa de Araruama, a maior lagoa hipersalina do mundo, inovando com a coleta em tempo seco para modificar essa situação”. Marilene também citou o caso de Niterói, onde a população oceânica não tinha água e em três anos a concessionária universalizou a cobertura de água e de coleta e tratamento de esgoto – “com os serviços prestados, a Praia de Icaraí se tornou balneável na maior parte do ano, considerando a influência que sofre da Baía de Guanabara. Isso mostra a transformação, quando um concessionário é regido por um contrato com metas, bem regulado, com eficiência na gestão comercial e também, se for o caso, com penalidades pelo descumprimento do acordo”, prosseguiu a representante do Grupo Águas do Brasil.
Ela lembrou que em 2016, quando o BNDES começou os processos de estruturação dos projetos para fazer concessões de saneamento, com os acordos firmados com os Governos dos Estados, “a ação acabou redundando em duas medidas provisórias para alterar a Lei do Saneamento, que caíram, mas depois deram origem à Lei nº 14.026, de 2020, que destravou os processos”. Hoje já são 54 leilões realizados e mais de R$ 240 bilhões em investimentos contratados e outorgas sendo pagas. “Com isso, praias poluídas voltaram a ser balneáveis no Rio de Janeiro. Em Rio das Ostras, onde temos a concessão do Bloco 3 da Cedae, duplicamos a estação de tratamento de água em um ano e implantamos uma adutora de 12 Km para acabar com o problema da falta de água na cidade”. É essa dinâmica que o setor privado traz para a melhora dos índices de cobertura no Brasil – “mas é claro que o setor privado não irá resolver tudo sozinho. Existem diversos desafios com o poder público Federal e com os governos estaduais ou municipais para permitir a continuidade desse processo de transformação e acredito firmemente que iremos mudar o cenário do saneamento no Brasil”, concluiu Marilene.
Samanta Souza, que atua há 27 anos no setor de saneamento, 25 dos quais na Sabesp e os outros dois no Governo do Estado de São Paulo, onde fez parte do processo de desestatização da companhia de saneamento de São Paulo. Agora de volta à Sabesp, na Diretoria de Relações Institucionais e Sustentabilidade, ela afirma que o Marco Legal do Saneamento teve um papel muito importante em São Paulo, “pois foi um grande impulsionador de segurança jurídica para promover o processo de desestatização dentro da empresa, que trazia bons resultados em seus 51 anos de existência, mas que dentro de um mercado público, sofria dificuldades na questão da captação, alavancagem e disponibilidade de recursos para investimentos. A possibilidade de atuar sem as ‘travas’ do setor público nos trará muita celeridade”.
O contrato atual da Sabesp prevê R$ 250 bilhões de investimentos até 2060. Até 2029, para alcançar a meta de universalização do saneamento dos 371 municípios contratualizados, serão investidos R$ 70 bilhões nos próximos cinco anos. Mas o maior desafio para a realização desses investimentos, na visão de Samanta, está na capacidade da cadeia de suprimentos. Ela citou ainda que pautada pela nova legislação, a Sabesp teve oportunidade de fazer contratos bastante robustos, com segurança jurídica e com a inovação de manter a discricionariedade da regulação, reduzindo assim o número de pedidos de ajustes compensatórios nos contratos ou reequilíbrio econômico-financeiro de contrato.
Para o futuro, Samanta diz que atender os 371 municípios já é um grande desafio com os R$ 70 bilhões de investimentos previstos – “para tanto, a parceria entre público e privados é essencial. Com o poder público nos apoiando para avançar e dando condições de melhores contratos e flexibilização de atuação, acredito que será possível alcançar em 2033 a tão sonhada universalização dos serviços. Estamos num bom caminho” e encerrou sua fala dizendo que a Sabesp tem interesse em expandir seu mercado, mas que neste momento a companhia está focada no planejamento e na operacionalização da universalização dos municípios que já atende.
Rumo à expansão e melhoria dos serviços
Paulo Roberto, da GS Inima, foi um dos pioneiros a atuar como concessionária privada parcial de tratamento de esgoto em Ribeirão Preto (SP), isso em 1995. Em sua trajetória profissional ele pode acompanhar a evolução e o crescimento do setor, e disse que com o Marco Regulatório, a participação privada pode se tornar mais ampla. Em 2007, como Presidente do Conselho da Abcon Sindcon, ele disse que havia a esperança de que com a Lei nº 11.445 o setor pudesse avançar – “mas pouca coisa aconteceu. A regulamentação só veio em 2010. Ainda assim o setor privado persistiu em seus propósitos”. À frente do Conselho da Abcon, Paulo Roberto já considerava a meta de buscar em 10 anos um total de 30% de participação das concessionárias privadas no País. “Isso demorou um pouco mais, mas estamos chegando lá, com grande capacidade técnica e profissional para atuar no saneamento, além, é claro da capacidade de alavancagem de recursos”, prossegue Paulo Roberto. Ele conta que em 1995 as dificuldades de financiamento eram enormes e a maior parte dos investimentos feitos pela Ambient em Ribeirão Preto foram bancados com recursos dos acionistas da companhia. O primeiro financiamento via BNDES só veio em 2001. A concessão de Ribeirão Preto irá completar 30 anos em setembro de 2025 e Paulo Roberto está lá desde o início.
Vencidos esses obstáculos, o Presidente da GS Inima acredita ser possível chegar a 50% de participação de mercado das concessionárias privadas de saneamento no Brasil, em curto espaço de tempo – “o setor mudou bastante e o saneamento virou pauta nacional., graças ao trabalho realizado pela entidade junto ao Ministério das Cidades e com o Senado. Nosso maior desafio é atingir a universalização dos serviços conforme previsto no decreto e espero que, faltando dois ou três anos para expirar a data estabelecida, não haja prorrogação no prazo”.
Saneamento Social
Há sete anos na Aegea, Rogério Tavares construiu uma longa trajetória no setor de saneamento, atuando na área de financiamentos na Caixa Econômica Federal. Segundo ele, “a Aegea foi uma das empresas que apostou que o saneamento no Brasil tinha que mudar, com gente capaz de fazer as coisas acontecerem, para resgatar uma enorme dívida social que o país tem, especialmente junto a pessoas mais pobres, mais vulneráveis. Essas pessoas formam a base da pirâmide, onde 75% ganham até um salário-mínimo, de acordo com o último estudo efetuado pela Abcon. Temos que resolver o saneamento no Brasil do ponto de vista de quem não tem acesso aos serviços de forma adequada, que sofrem com a intermitência no fornecimento etc. E, considerando os que não têm nada, vemos que temos uma dívida enorme para pagar”.
Como companhia, a Aegea entende que pode e deve contribuir para o resgate dessa dívida. Mais que ofertar um serviço de qualidade de água e esgoto, é preciso ofertar um serviço que as pessoas possam pagar – “na medida do possível, temos contribuído para o desenvolvimento das comunidades mais vulneráveis onde estamos entrando”, garantiu Rogério.
A Aegea iniciou sua atuação em 2010, com a concessão da Prolagos, atendendo cinco cidades da Região dos lagos (RJ) – Búzios, Cabo Frio, São Pedro da Aldeia, Iguaba e Arraial do Cabo, mais a concessão de Campo Grande (MS). A Prolagos foi comprada da Águas de Portugal e a Águas de Guariroba, na região Centro-Oeste, foi adquirida da Águas de Barcelona – “operadores estrangeiros que não estavam conseguindo performar”. Nestas seis cidades a companhia atendia pouco mais de 1,4 milhão de pessoas. Agora, no final de 2024, considerando o leilão do Piauí vencido pela companhia, a Aegea passará a atender mais de 760 cidades no Brasil, em 15 estados da União. A maior concentração dessas cidades está no Rio Grande do Sul, por conta do controle acionário da Corsan. Em Piauí, a companhia irá operar em 224 cidades, além de Teresina, onde já estavam. A novidade é que o novo contrato inclui toda a área rural no objeto da licitação. Um grande desafio pois não há como pensar eventualmente em soluções de redes. Acredito que quase sempre as soluções serão individuais”.
Voltando para o panorama inicial, em 14 anos a Aegea sai de seis para 760 municípios atendidos. No final de 2016 contava com cerca de 4 mil colaboradores, operando em pouco mais de 50 cidades – hoje já são 20 mil funcionários para atender as 760 concessões. Um crescimento exponencial alavancado a partir do Marco Regulatório, que permitiu leilões como o da Corsan, da Cedae (em blocos), e as PPPs da Cagece, no Ceará, e do Mato Grosso do Sul. “Mas o coroamento desse processo começou em 2016, durante o Governo Temer, quando o TCU resolveu estudar o que estava acontecendo com os gastos públicos em saneamento, onde o ponteiro dos indicadores permanecia estagnado. Se gastava dinheiro, mas a evolução da cobertura dos serviços não acontecia”, conta Rogério, lembrando que a partir desse momento vieram as Medidas Provisórias até se chegar à Lei 14.026/20. Naquela época, o BNDES, junto com a Ministra Marina Silva, já considerava a ideia de privatização de parte das companhias públicas de saneamento. E isso fez o setor aparecer na mídia, em manchetes mostrando que saneamento é saúde e que as doenças de veiculação hídrica matam muito mais pessoas do que se tem ideia e que excluem da possibilidade de vida futura gerações de crianças que têm seu desenvolvimento cognitivo prejudicado pela falta de saneamento.
E finalizou sua fala dizendo que “não existe exatamente o melhor modelo de contrato. O modelo deve ser factível para a realidade de cada Estado, inclusive do ponto de vista político. O mais importante é que algo seja feito para a melhoria e evolução dos indicadores. Acabou a dicotomia público versus privado. Temos que trabalhar em conjunto para universalizar o saneamento”.
Decisões estratégicas
Como Presidente do Conselho da Abcon, Roberto Barbuti exaltou o papel estratégico da associação no sentido de dar um direcionamento aos seus associados e de colaborar com as demais entidades para dar encaminhamento às demandas e buscar soluções para o setor. Como CEO da Iguá, Roberto disse que as mudanças colocadas pelo Marco Regulatório, dentro de um processo organizado, trouxeram velocidade no avanço e que a eficiência de liderança também contribuiu para o novo momento.
Roberto cita que em 1995 houve o Marco do Setor Elétrico, que acabou evoluindo numa velocidade muito maior do que o setor de saneamento, por diversas circunstâncias. E fez um paralelo com o fato de a Equatorial Energia ter ganho o leilão da Sabesp. Falando especificamente da Iguá, o CEO se referiu a dois momentos estratégicos: o leilão da concessão dos serviços de produção e tratamento de água da DESO, em Sergipe (em setembro passado) e a evolução de uma PPP com a Sanepar, no Paraná, estatal que não tem planos de privatização, mas que ao longo dos anos tem feito parcerias importantes com o setor privado.
“Não importa qual seja o modelo. Temos que dar soluções e buscar eficiência, mesmo com o enorme desafio dos investimentos estimados. Somente em Sergipe, serão R$ 6 bilhões, em um momento de custo de capital elevado em todo o mundo, sem perspectiva de reversão desse quadro. O Brasil vive um ambiente de juros historicamente elevados, também sem perspectiva clara de mudança. A isso se soma o fato de termos empresas que estão alavancadas no balanço ou no plano de Capex”, disse o CEO da Iguá.
Além dos desafios de investimentos e da pressão inflacionária, Roberto também citou a questão da cadeia de suprimentos e o fato de boa parte dos clientes da concessionária terem limitações de capacidade de pagamento – “como fechar essa equação? O desafio é grande e passa pela eficiência na operação, pela atração de capital, com um plano de investimentos crível e atraente para os investidores, especialmente quando as alternativas disponíveis colocam o custo em um patamar mais elevado”.
A importância da qualificação da mão de obra também foi lembrada por Roberto, de forma a ter o mesmo alinhamento com a empresa, o que implica em uma mudança de mind set. “Nisso tudo temos pautas amplas, como a questão da nova lei da Tarifa Social, tema bastante complexo. Não se trata de ser contra ou a favor, mas de estabelecer bases que permitam que a equação feche. Se a conta não fechar em cima do orçamento público, como se percebe na realidade brasileira, infelizmente, ela vai fechar a custa de fazer menos investimentos ou de aumentar a tarifa dos outros consumidores? São muitos elementos para compor o orçamento”, prosseguiu Roberto, que citou a complicação adicional trazida pelo aumento tarifário.
A principal pauta do setor hoje, até pela necessidade de uma movimentação rápida, é a Reforma Tributária, que acabou penalizando extremamente a área de saneamento. “da forma como está hoje a legislação, a situação passa pela questão de não ter que recolher tributos estaduais e municipais, para pagar a alíquota cheia do novo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o que pode significar um aumento de até 18% nas tarifas. A Reforma Tributária coloca em risco a sustentabilidade do nosso negócio. Como entidades, empresas e cidadãos precisamos fazer uma movimentação para mostrar que a conscientização está crescendo. Aliás, conscientização é a palavra-chave que irá nos permitir continuar avançando e acelerando os serviços. A alternativa de não ter a universalização conforme está programada, é uma opção muito cruel para nós como agentes do setor e não é justo para a população”, encerrou Roberto Barbuti.
(Por Mara Fornari)