O projeto ‘Captura de CO2 bioassistida e conversão em bioprodutos’, realizado no âmbito do Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa (RCGI), financiado pela Shell do Brasil e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) tem como objetivo capturar dióxido de carbono (CO2) de algas e bactérias e gerar produtos de alto valor agregado, como biocombustível e plástico verde, de forma natural e sustentável. "O termo 'captura de CO2 bioassistida' designa que o processo é feito sem aditivos químicos e de forma natural, por via biológica. No nosso caso utilizamos dois microrganismos que fazem fotossíntese, que são as microalgas e as cianobactérias", explica à coordenadora-geral do projeto, a bióloga Elen Aquino Perpetuo, professora do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), campus Baixada Santista.
A utilização das microalgas tem como meta a captura e fixação de CO2, além do uso da biomassa para ser fermentada em reatores para a produção de bioetanol, também conhecido como etanol de terceira geração. "Biocombustíveis provenientes dessas biomassas têm atraído muita atenção, visto que algas podem ser cultivadas com CO2 e luz solar, utilizando água salgada ou salobra em terras não cultiváveis, além de não apresentarem lignina em sua composição. Para a produção de etanol de terceira geração é crucial expor os componentes intracelulares da alga e para isso utiliza-se a hidrólise. A parede celular nas algas é a principal estrutura que deve ser despolimerizada para extração dos polissacarídeos. Ao longo da conversão, os polissacarídeos serão divididos em monômeros para que aconteça a fermentação e a conversão em etanol". As microalgas utilizadas no projeto (Parachlorella kessleri) foram coletadas em áreas de mangue. "O mangue é um ambiente com alto teor de matéria orgânica e também de poluição antrópica. Por causa disso, essas microalgas são extremamente resistentes e bem adaptáveis a qualquer situação, o que favorece a pesquisa", observa a especialista. De acordo com Elen, além dos mangues, as microalgas podem ser encontradas em oceanos e rios, bem como podem ser cultivadas em criadouros artificiais. "Já existem fazendas de microalgas no Rio Grande do Norte e Paraíba", conta.
Um desafio do projeto é como produzir bioetanol em grandes volumes por meio de microalgas. "Sabemos que o processo biotecnológico funciona muito bem numa escala piloto, reduzida, de 100 litros, por exemplo, mas quando se fala na produção de milhares de metros cúbicos, ainda não sabemos como será o resultado", diz Elen. A equipe do projeto estuda quais espécies de microalgas são capazes de acumular maior concentração de carboidrato. "Esse carboidrato será hidrolisado e inserido em um reator de grande porte. Queremos descobrir se isso vai possibilitar a geração de biocombustível de qualidade e em escala industrial", prevê a pesquisadora.
Os pesquisadores avaliam ainda a possibilidade de utilizar a vinhaça (resíduo poluente gerado pela produção de etanol de cana de açúcar) como meio de cultivo de microalgas. "O descarte da vinhaça é motivo de dor-de-cabeça para o setor sucroalcooleiro em função do alto custo. Sem contar que o resíduo costuma ser utilizado como adubo na fertirrigação de lavouras, com risco de atingir os lençóis freáticos e provocar danos ambientais. O objetivo é conseguir agregar valor à vinhaça por meio das microalgas, o que seria positivo para as usinas e para o meio ambiente", explica Elen.
Outra frente do projeto, comandada pelos professores Renato Sanches Freire e Cassius Vinicius Stevani, ambos do Instituto de Química (IQ) da USP, busca potencializar a produção de biopolímeros por meio de cianobactérias, organismos fotossintéticos que apresentam ao mesmo tempo características de algas e bactérias. Quando submetidas a condições de estresse em meio de cultura com excesso de luz, as cianobactérias capturam CO2 e produzem em seu interior grânulos de polihidroxibutirato (PHB), um tipo de bioplástico. "A natureza é muito sábia. Em condições extremas, como limitação de nutrientes, sobretudo nitrogênio, e excesso de CO2, as cianobactérias criam uma reserva de 'gordura' para sobreviver, a exemplo do que fazem os ursos em período de hibernação. Esse grânulo de reserva das cianobactérias tem as mesmas características de um polímero e ao ser extraído se assemelha a um plástico-filme", relata a pesquisadora. "A meta do projeto é modificar geneticamente cianobactérias do gênero Synechocystis sp. para que ela consiga acumular ainda mais esses biopolímeros", explica Elen.
A produção de PHB ainda é pequena e tem todo o seu volume exportado para a Europa. O PHB é produzido no interior de São Paulo, onde é feito a partir do substrato da cana-de-açúcar e não da captura de CO2. “Na Europa, o plástico costuma ser utilizado em próteses ortopédicas. Como esse plástico é biodegradável, as próteses têm baixo índice de rejeição pelo corpo", explica Elen. O problema para expandir o uso de PHD no Brasil é o seu alto custo de produção. "Hoje ele é considerado um plástico nobre, que vale cinco vezes mais do que plásticos de origem fóssil, como o das garrafas PET. Para o mercado interno é um valor muito alto. Porém, a meu ver, as vantagens ambientais superam os outros custos envolvidos”, diz Ellen. O PHB é um plástico biodegradável, que não vai ficar por muito tempo na natureza, ao contrário dos plásticos de origem fóssil. “É necessário políticas públicas que estimulem pesquisa e inovação, bem como ofereçam incentivos fiscais para essas empresas verdes", conclui a pesquisadora.