A estreita relação das enchentes com o saneamento básico
Imagine viver com medo de cada chuva que chega. Imagine criar os filhos em ambiente insalubre, sem estrutura e nenhuma higiene. Imagine ter que recomeçar do zero a cada enchente. É sobre isso que venho falar aqui.
As enchentes representam um dos desafios mais significativos enfrentados por comunidades urbanas em todo o mundo e, no Brasil, existem fatores que tornam as preocupações ainda mais latentes tendo em vista que 5,8 milhões de brasileiros foram diretamente afetados pelo impacto das chuvas e das secas em 2023, incluindo casos de perda de vidas, desalojamentos e perdas econômicas significativas, segundo a Confederação Nacional do Municípios.
Por isso, não tem como não correlacionar saneamento com as enchentes. Existe um problema de competência entre prefeituras e companhias de saneamento, que ainda precisam se empenhar mais para melhorar a vida de quem sofre constantemente com isso: famílias que vivem nas favelas, comunidades urbanas, comunidades ribeirinhas e zonas rurais.
Muitas comunidades urbanas do país têm esgoto, mas a tubulação não é feita para dimensionar a água da chuva, é como tentar passar um esguicho de água forte por um canudinho. Nisso, a água da chuva volta para as ruas e, o que é ainda pior, entra nas residências das pessoas levando muito lixo e dejetos. Consequência disso é a perda total de bens materiais que já são escassos para essas famílias.
Quando olhamos de uma forma mais macro e observamos que o planeta está passando por mudanças climáticas que aumentam ainda mais as chances de catástrofes naturais, precisamos pensar em mitigar isso!
Estamos enfrentando o aquecimento global em duas grandes frentes: diminuir o carbono e acelerar medidas mitigatórias. Se pensarmos bem, a lógica de agora em diante é ter mais alagamentos e mais situações de crise das populações vulneráveis, que vão sofrer cada vez mais. Por isso, precisamos tratar o saneamento básico como a medida mais importante para mitigar os efeitos do aquecimento global, principalmente para as comunidades mais pobres.
No Brasil, o Novo Marco Legal do Saneamento estabelece metas até 2033, nas quais, todos os municípios brasileiros devem atender a 99% da população com serviços de água potável e ao menos 90% dos habitantes com coleta e tratamento de esgoto. A lei existe, mas faltam políticas públicas em muitos aspectos. Há o desconhecimento da realidade, em números, sobre saneamento básico. O único dado disponível é insuficiente e subdimensionado porque não abrange comunidades informais, rurais e indígenas. Como vamos enfrentar um problema se não sabemos o tamanho dele?
Os cenários não são otimistas e, por isso, é crucial investir em infraestrutura de saneamento básico robusta e sustentável. Isso inclui a melhoria dos sistemas de drenagem, o tratamento eficaz de esgoto e resíduos sólidos, o planejamento urbano integrado e a promoção de práticas de desenvolvimento sustentável. Além disso, a conscientização pública e a participação comunitária são essenciais para promover uma gestão responsável dos recursos hídricos e prevenir enchentes futuras.
Aqui na Biosaneamento entendemos que a relação entre enchentes e saneamento básico é inegável. Debatemos com parceiros sobre inovações, alternativas e pilotos para o saneamento básico avançar. Somente através de abordagens holísticas e colaborativas podemos enfrentar efetivamente esse desafio complexo e proteger as comunidades vulneráveis contra os impactos das enchentes. (Por Luiz Fazio, Presidente da ONG Biosaneamento)