Pesquisadores revelam quadro irreversível do Ártico

05/08/2023
Primeira expedição brasileira oficial ao Ártico durante mais de dez dias revelou que o derretimento do Ártico é irreversível

Coordenada pelo professor Luiz Henrique Rosa, do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a primeira expedição brasileira oficial ao Ártico durante mais de dez dias revelou que o derretimento do Ártico é irreversível. Segundo Rosa, o que está acontecendo na região poderá ocorrer também na Antártida, e isso impactará todos os seres vivos. “Nós fomos acima do limite do círculo polar ártico, 78N, muito próximo do polo, e a uma temperatura alta, 15°C  durante 24 horas-luz”, contou o professor, que também é membro do Comitê Nacional de Pesquisas Antárticas (Conapa) do Programa Antártico Brasileiro. Segundo o professor, o verão descongela o gelo marinho e o inverno faz congelar novamente. “A cada ciclo o congelamento é menor. Os polos regulam a temperatura de todo o planeta, que está perdendo a influência do Ártico”, explicou. O professor Rosa diz que o mesmo fenômeno pode se repetir na Antártida e, dada sua maior proximidade, vai impactar mais a população do hemisfério Sul.

O professor também coordena o Laboratório Temático de Microbiologia Polar do INCT da Criosfera. De acordo com o pesquisador, elas refletem em tudo, desde os organismos que habitam determinadas regiões até a economia. “O derretimento do gelo marinho eleva o nível do oceano no mundo inteiro. Há nações que vão sofrer com isso, ilhas já estão se perdendo, ficando submersas, gerando emigração”, exemplifica. Além disso, ele cita a perda da biodiversidade. “Organismos que só vivem nesses ambientes não vão sobreviver. E outros, que estão congelados há muito tempo, podem se desprender, originando novas pragas e doenças. Não sabemos o que vai acontecer”, lamenta Rosa.

Apesar da preocupação, o professor disse que a expedição brasileira ao Ártico foi um sucesso e alcançou seus objetivos, o que dará origem a vários trabalhos. “Fizemos um ‘raio-x’ e pudemos conhecer a logística para estarmos presentes na região. Também conseguimos coletar a maior parte das amostras que estabelecemos como meta, como solo, plantas e rochas, exceto neve e Permafrost [camada de solo, em tese, permanentemente congelado]”, completou.

O pesquisador diz que o descongelamento dessa camada de solo implica liberação de metano produzido por bactérias presentes no Permafrost, o que aumenta o efeito estufa, e de organismos que poderão entrar em contato com o resto do planeta, com consequências imprevisíveis. O processamento de parte do material coletado teve início já durante a viagem. “Improvisamos um laboratório no hotel e extraímos o DNA (chamado ambiental) do próprio substrato para identificar a biodiversidade presente nas amostras”, conta Luiz Rosa. A expectativa é que até o final de 2023 já se possa conhecer os resultados. As amostras originais ainda estão em trânsito e serão estudadas em uma próxima etapa do trabalho. “Queremos identificar os organismos vivos ali presentes”, ele adianta. Chefe do Laboratório de Microbiologia Polar e Conexões Tropicais (MicroPolar) do Departamento de Microbiologia do ICB UFMG, Luiz Rosa revelou que há interesse em verificar a existência de substâncias com potencial de uso, como herbicidas, detergentes, anticongelantes e pigmentos, que podem ser aplicados, por exemplo, na agricultura e na indústria.

A viagem ao Polo Norte vai se transformar em um documentário, definido pelo professor Luiz Rosa como um marco para a ciência brasileira. Com o tema Paralelo 60: ciência do Brasil nos polos do planeta, a produção deve ser lançada no segundo semestre de 2024 e será exibida inicialmente pela TV Minas. Ao todo, serão 13 capítulos, cada um com 26 minutos, dois deles exclusivamente destinados ao Ártico. As gravações continuam no segundo semestre deste ano, na Antártida. Uma segunda expedição ao Ártico é planejada durante o inverno para que os cientistas possam fazer o monitoramento do ar, coletar amostras de neve que não foram obtidas na primeira viagem e comparar com os achados do verão. 

A primeira expedição oficial do Brasil ao Ártico ocorreu de 8 a 21 de julho, com a participação dos pesquisadores Vivian Nicolau Gonçalves, também do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, Paulo Eduardo Câmara, Michelini Carvalho-Silva, ambos da Universidade de Brasília (UnB), e Marcelo Ramada, da Universidade Católica de Brasília (UCB). A missão teve o apoio institucional da Marinha do Brasil e dos ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e das Relações Exteriores (MRE).