Rio da Baixada Paulista é o segundo mais contaminado do mundo

18/02/2025
O levantamento apontou uma quantidade superior a 93 mil partículas de microplásticos por quilograma de sedimento retirado.

Segundo pesquisa realizada por especialistas do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) e do Instituto Ecofaxina, e publicada na revista científica Marine Pollution Bulletin, o rio dos Bugres, que divide as cidades de Santos e São Vicente, é o segundo mais contaminado por microplásticos no mundo, ficando atrás apenas do rio Pasur, em Bangladesh. O levantamento apontou uma quantidade superior a 93 mil partículas de microplásticos por quilograma de sedimento retirado (composto por areia ou lama do fundo do rio) em apenas um dos pontos de coleta. O rio asiático apresentou 157 mil partículas por quilograma de sedimento.

Em outros dois pontos do rio paulista o nível de concentração encontrado chamou a atenção dos pesquisadores, com 62 mil partículas por quilograma de sedimento e 43 mil partículas. Os microplásticos são partículas plásticas menores que 5 mm que se formam a partir da fragmentação de plásticos maiores, como garrafas e embalagens. Eles se fragmentam com o tempo devido à ação do sol, das ondas e da interação com outras substâncias. Mais do que poluição e contaminação por microplásticos, o rio dos Bugres é marcado pela vulnerabilidade social e falta de investimento público. O manancial margeia o Dique da Vila Gilda, em Santos, maior favela de palafitas do Brasil, com cerca de 20 mil habitantes. O litoral de São Paulo têm a maior proporção de moradores de favelas do Estado.

O Instituto EcoFaxina e o IPEN realizaram visitas técnicas a duas áreas naturais da cidade de Santos, no manguezal do Jardim São Manoel e na Praia do José Menino, para que estudantes e pesquisadores do IPEN pudessem conhecer e avaliar a realidade dos problemas ambientais causados pela contaminação por resíduos plásticos na natureza, sobretudo no manguezal estuarino, e a gravidade do que está sendo causado aos ecossistemas costeiros da região. A iniciativa foi considerada uma Missão Internacional de Expert no Brasil, que contou com a vinda do Prof. Dr. Stefan Krause da Universidade de Birmingham, na Inglaterra. O pesquisador é expert em microplásticos como poluentes e transporte de contaminantes em águas superficiais e profundas. Ele tem colaborações com o mundo inteiro em grupos de pesquisadores da França, África, Inglaterra, Vietnã, China, Índia, Canadá, Estados Unidos, entre outros, e sua vinda ao Brasil proporcionará uma cooperação internacional na área de Micro e Nanoplásticos (MNP).

O grupo de 14 integrantes realizou coleta amostral em uma parcela de 3x3 metros em manguezal próximo ao Jardim São Manoel, na zona noroeste de Santos. Ao todo, foram retirados 14 kg de resíduos sólidos do ecossistema, sendo: 10,9 kg de plástico; 0,6 kg de isopor; 1,16 kg de borracha; 0,36 kg de vidro e 1 kg de outros tipos de material. Os pesquisadores também coletaram 77 peças de madeiras processadas. A maior parte dos resíduos possui origem domiciliar proveniente de moradias irregulares que ocupam o manguezal. 

Segundo a gerente do Centro de Química e Meio Ambiente, Marycel Cotrim, a iniciativa foi uma oportunidade valiosa para o intercâmbio de conhecimentos entre os dois institutos e os alunos de pós-graduação. “O estímulo à pesquisa, ao desenvolvimento de novas habilidades e à promoção da sensibilidade ambiental podem contribuir para que eles se tornem cidadãos mais conscientes e pesquisadores mais engajados para enfrentar os desafios. Isso é fundamental para a formação de profissionais capazes de atuar em equipes multidisciplinares e propor soluções integradas. Ao trabalhar em conjunto com o EcoFaxina, o IPEN demonstra seu engajamento com a busca por soluções para os problemas ambientais e reforça seu papel como uma instituição de pesquisa que visa impulsionar a inovação e o avanço científico, contribuindo para o desenvolvimento sustentável do país”. Para a Dra. Duclerc Parra - pesquisadora sênior e professora de pós-graduação, a ação mostrou a gravidade dos problemas ambientais decorrentes da indevida gestão de resíduos. “Pudemos entender que é possível recuperar o manguezal a partir de um trabalho intenso de despoluição dos locais. Serão necessárias políticas públicas adequadas, bem como uma mudança cultural da população, incluindo as comunidades. Entre o lixo plástico coletado vimos crescer algumas espécies de mangue, mostrando que a natureza tenta se revigorar debaixo de tanto resíduo”. O encontro está inserido nas atividades que estão sendo realizadas desde 23 de novembro de 2023, data da assinatura do convênio de cooperação acadêmica e técnico-científica do IPEN com o Instituto EcoFaxina, que visa desenvolver um conjunto de projetos de pesquisa e de divulgação voltado às áreas de engenharia, sustentabilidade e meio ambiente, com a realização de estudos, seminários e workshops, e o intercâmbio de profissionais, alunos e colaboradores das duas instituições. 

O acordo é estratégico também para o projeto “Metodologia de caracterização de microplásticos e avaliação integrada de microplásticos no Sistema Estuarino de Santos - São Vicente, litoral de São Paulo, Brasil" da pesquisadora do IPEN, Duclerc Fernandes Parra. A estudante do Centro de Química e Meio Ambiente Vitória Pauluci Ravaneli, que faz parte como Iniciação Científica do projeto, achou importante atuar na limpeza do ecossistema costeiro, “geralmente, ficamos no laboratório de polímeros, mas vir aqui nos mostrou como a realidade abrange o social também, não se trata apenas da parte química e ambiental, porque fazemos as análises em equipamento de espectroscopia no infravermelho e vemos o espectro, mas desconhecemos o problema social”.

Para William Schepis, biólogo marinho e diretor-presidente do Instituto EcoFaxina, a visita técnica é mais uma passo em busca de resultados efetivos no combate à poluição marinha, “a parceria técnico-científica entre o Instituto EcoFaxina e o IPEN é um marco crucial na luta contra a poluição por microplásticos, que compromete a biodiversidade e a saúde dos ecossistemas costeiros na Baixada Santista. Por meio dessa colaboração, conseguimos unir ciência e ação prática para enfrentar desafios ambientais cada vez mais complexos. Durante a visita técnica ao manguezal e à praia de Santos, tivemos a honra de contar com a presença da doutora Duclerc Parra, acompanhada de outros pesquisadores do IPEN, e do doutor Stephan Krause, da Universidade de Birmingham, especialista de renome internacional em geoecologia e poluição por microplásticos. A troca de conhecimentos com esses cientistas é de extrema importância para aprofundarmos nossa compreensão sobre a dinâmica dos microplásticos em ambientes costeiros e suas interações com a biodiversidade e os processos ecológicos.Essa experiência nos permitiu observar de perto os impactos da poluição nos ecossistemas locais e planejar estratégias inovadoras para o monitoramento e mitigação desse problema. Estamos confiantes de que essa parceria resultará em soluções práticas e sustentáveis envolvendo a participação de representantes da administração pública e da sociedade em geral, que beneficiarão não apenas os ecossistemas da Baixada Santista, mas a saúde pública”, concluiu Schepis.