Avanço ainda é tímido rumo à universalização

25/03/2024
Para elaboração do ranking, o estudo considerou os indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano-base de 2022, publicado pelo Ministério das Cidades

O Instituto Trata Brasil (ITB) em parceria com GO Associados divulgou a 16ª edição do Ranking do Saneamento com o foco nos 100 municípios mais populosos do Brasil. Para elaboração do ranking, o estudo considerou os indicadores do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), ano-base de 2022, publicado pelo Ministério das Cidades. A falta de acesso à água potável impacta quase 32 milhões de pessoas e cerca de 90 milhões de brasileiros não possuem acesso à coleta de esgoto, o que ocasiona diversos problemas na saúde para a população, hospitalizada por doenças de veiculação hídrica. Comparando os dados do SNIS, anos-base 2021 e 2022, a coleta de esgoto subiu de 55,8% para 56%, um aumento de 0,2%, enquanto o tratamento do esgoto passou de 51,2% para 52,2%, incremento de 1%. De acordo com os dados mais recentes, mais de 5,2 mil piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento são despejadas na natureza diariamente. 

O Ranking é composto pela análise de três “dimensões” distintas do saneamento básico de cada município: “Nível de Atendimento”, “Melhoria do Atendimento” e “Nível de Eficiência”. Nesta edição, Maringá (PR) foi a primeira colocada, seguida de São José do Rio Preto (SP) e Campinas (SP). Pela primeira vez na história do Ranking, três municípios alcançaram a pontuação máxima disponível e, consequentemente, a universalização do saneamento. O estudo considera universalizadas as localidades que contam com 99% de sua população com acesso à água tratada e 90% com coleta e tratamento de esgoto. Os índices foram determinados pela Lei 14.026/2020, que criou o “Novo Marco Legal do Saneamento Básico”. Por isso, os três ganharam nota máxima (10) em todos os oito indicadores contemplados nesta edição. Como critério de desempate, no entanto, considerou-se que o município com os maiores níveis de cobertura nos três indicadores da dimensão “Nível de Atendimento” (Indicador de Atendimento Total de Água, Indicador de Atendimento Total de Esgoto, e Indicador de Tratamento Total de Esgoto) deveria estar melhor classificado.
 
Dos 20 mais bem colocados no Ranking de 2024, 12 estão localizados no Sudeste, cinco na região Sul e três no Centro-Oeste. Em contrapartida, entre os 20 piores no ranking, sete são da região Norte, seis da região Nordeste, cinco da região Sudeste, um da Centro-Oeste e um da Sul. As três piores são Pelotas (RS), Cariacica (ES) e Paulista (PE). Ao verificar o volume de investimentos e os avanços nos indicadores de saneamento entre os dois grupos em relação ao estabelecido pelo PLANSAB, de R$ 231,09 por habitante, os 20 municípios mais bem classificados apresentaram investimento anual médio no período de 2018 a 2022 de R$ 201,47 por habitante, cerca de 13% abaixo do patamar nacional médio para a universalização. Neste caso, contudo, como muitos desses municípios já possuem indicadores em estágios mais avançados de desenvolvimento ou universalizados, eles podem apresentar valores abaixo da média nacional, sem comprometer o atendimento às metas do Novo Marco Legal do Saneamento Básico e da Portaria 490/2021. Por outro lado, os 20 piores municípios tiveram um investimento anual médio no período de 2018 a 2022 de R$ 73,85 por habitante, cerca de 68% inferior do patamar nacional médio para a universalização. No caso desses municípios, por terem indicadores muito atrasados e distantes da universalização, ter um investimento anual médio por habitante baixo resulta em uma dificuldade muito grande para atingir as metas estabelecidas. No caso dos 20 melhores, o Indicador de Atendimento Total de Água (ITA) é 21% superior àquele encontrado no grupo dos 20 piores municípios. O Indicador de Atendimento Total de Esgoto (ITE) é 242% superior, e o Indicador de Tratamento Total de Esgoto (ITR), 286% maior. De maneira semelhante, tem-se que o grupo dos 20 melhores apresenta nível de eficiência melhor do que aquele verificado no grupo dos 20 piores.

Dentre os municípios que registraram os resultados mais significativos em relação ao último levantamento, Aparecida de Goiânia (GO) saiu da posição 85ª colocação na edição de 2015, chegando finalmente à 18ª colocação neste ano, e firmando seu lugar entre os 20 primeiros colocados do Ranking do Saneamento. Possível notar que quatro dos cinco municípios com a maior variação positiva são do estado de São Paulo, dois deles do litoral paulista. Praia Grande, que evoluiu 22 posições, foi também a cidade que mais investiu por habitante no Ranking, com R$ 693,01, valor quase 200% maior que a meta estabelecida pelo PLANSAB para a universalização. Paulista (PE) e Suzano (SP) tiveram reduções de 2,12% e 6,26, respectivamente, no atendimento total de água, deixando de ser universalizados, desse modo. Além disso, Suzano (SP) também registrou queda de 11,22% no atendimento total de esgoto, novamente deixando de ser universalizado. Paulista (PE) caiu no mesmo indicador da ordem de 7,34%, mas como o município não era antes universalizado, só ficou mais distante da meta. Com relação ao tratamento, Paulista (PE) e Cuiabá (MT) apresentaram reduções de 12,81% e 21,92%, respectivamente, no volume de esgoto tratado referido à água consumida. Somente Cuiabá (MT) demonstrou um aumento significativo nos investimentos por habitante, mas já os tinha em níveis elevados, de modo que não afetou sua nota. E, finalmente, Paulista (PE) e Cuiabá (MT) aumentaram todos os seus três índices de perdas de água, sendo que já eram elevados anteriormente.

O levantamento do Trata Brasil e da GO Associados mostra que 22 municípios têm 100% de atendimento total de água e outros 18 com valores de atendimento superiores a 99%, próximos de atingirem a universalização. O indicador médio de atendimento dos 100 maiores municípios é 94,92% e mostra um pequeno progresso frente ao índice de 94,19% observado no SNIS anterior (ano-base 2021). No geral, os municípios considerados possuem níveis de atendimento em água superiores à média brasileira total, que, de acordo com os dados do SNIS (ano-base 2022), foi de 84,92%. Em relação à coleta de esgoto, cinco municípios possuem 100% do serviço, enquanto outros 35 possuem índice de coleta superior a 90% e, portanto, podem também ser considerados universalizados de acordo com o Novo Marco Legal do Saneamento Básico. O indicador médio de coleta dos municípios foi de 77,81% em 2022, avanço bastante tímido frente aos 76,84% verificados em 2021. No geral, os municípios considerados (mais populosos) possuem coleta de esgoto bastante superior à média total do Brasil reportada no SNIS (ano-base 2022), que foi de 56%.

Já o tratamento do esgoto é 100% para apenas seis cidades e outras 23 possuem índices acima de 80%, podendo ser considerados universalizados. Contudo, a nota máxima somente é conferida àqueles municípios que também alcançam a universalização em termos de atendimento (coleta), segundo metas do Novo Marco Legal do Saneamento Básico. O indicador médio de tratamento de esgoto dos 100 maiores municípios foi de 65,55%, um pequeno progresso em relação aos 63,30% observados em 2021. Segundo o SNIS (ano-base 2022), a média nacional para o tratamento dos esgotos gerados foi de 52,23%, de onde a média da amostra do Ranking é, novamente, maior do que a média nacional. No entanto, em ambos os casos, o indicador está em um patamar ainda baixo, apontando uma área com grandes desafios a serem superados. O indicador médio de perda de água foi de em 35,04% no SNIS (ano-base 2022), o que representa uma leve melhora em relação aos 36,51% de 2021. Tal valor é inferior à média nacional divulgada no SNIS (ano base 2022, que foi de 37,78%. Dos 100 municípios considerados, apenas 14 possuem níveis de perdas na distribuição menores que 25% (valores considerados como adequados). Os dados mostram ainda que 1/5 da amostra (20 municípios) têm perdas na distribuição superiores a 50%.
 
Dentre as 27 capitais brasileiras, somente nove possuem ao menos 99% de abastecimento total de água. Embora a média do indicador entre as capitais seja de 95,68%, a situação no País é bastante heterogênea. Há capitais na macrorregião Norte com indicadores próximos ou abaixo de 50%, como Macapá (AP) com 54,38%, Rio Branco (AC) com 53,50%, e Porto Velho (RO), com 41,79%. Em relação à coleta total de esgoto, apenas oito capitais têm índice de mais de 90% de atendimento. Contudo, assim como no indicador anterior, há capitais na macrorregião Norte com taxas de esgotamento sanitário baixas, inferiores a 10%. São os casos de Porto Velho (RO), com 9,89%, e Macapá (AP), com 8,05%. No que diz respeito ao tratamento de esgoto, os gargalos são ainda maiores, pois somente cinco capitais apresentam ao menos 80% de tratamento de esgoto. Dessas, apenas quatro coletam ao menos 90% do esgoto produzido: Curitiba (PR) com 99.98% de coleta e 96,56% de tratamento, Boa Vista (RR) com 92,80% de coleta e 95,02% de tratamento, Rio de Janeiro (RJ) com 95,80% de coleta e 85,11% de tratamento, e Brasília (DF) com 92,30% de coleta e 81,96% de tratamento. Belém (PA), Porto Velho (RO) e Rio Branco (AC) trataram menos de 5% do esgoto coletado, e embora Macapá (AP) tenha tratado 22,17%, coletou somente 8,05% da população. 

Um dos destaques positivos é o Rio de Janeiro (RJ), que evoluiu 40% em tratamento de esgoto. Os indicadores de perdas de água também são elevados. No caso de perdas na distribuição, somente Goiânia (GO) e Campo Grande (MS) apresentaram índices menores que 25%, com 17,27% e 19,80%, respectivamente. A análise dos investimentos médios nas capitais brasileiras, entre 2018 e 2022 indica que no período foram investidos cerca de R$ 31,7 bilhões em valores absolutos, sendo que o município de São Paulo (SP) realizou quase 40% desse montante, com aproximadamente R$ 12,5 bilhões. Naturalmente, foi a cidade com o maior investimento total no período, seguida pelo Rio de Janeiro (RJ) com R$ 2,2 bilhões, e por Brasília (DF) com R$ 1,6 bilhão. Observando o investimento médio anual por habitante, é possível notar que Cuiabá (MT) foi a capital que mais investiu, com R$ 472,42 por habitante, seguida por São Paulo (SP) com R$ 219,20 por habitante, e Natal (RN) com R$ 217,44 por habitante. Cuiabá (MT) foi a única que ficou acima do patamar do PLANSAB, de modo que São Paulo (SP) e Natal (RN) ainda ficaram próximas, mas todas as demais capitais apresentaram investimentos por habitantes inferiores aos R$ 231,09 estimados através do PLANSAB. A média das capitais foi de pouco mais da metade desse valor, com R$ 136,31 por habitante. Os patamares mais baixos foram observados em Rio Branco (AC) com R$ 30,02 por habitante, e em Porto Velho (RO), com R$ 37,47 por habitante, o que justifica parcialmente sua posição como último do Ranking de 2024. "Esta edição do Ranking destaca que além da necessidade de os municípios alcançarem o acesso pleno do acesso à água potável e atendimento de coleta de esgoto, o tratamento dos esgotos é o indicador que está mais distante da universalização nas cidades, mostrando-se o principal gargalo a ser superado. Temos menos de 10 anos para cumprir o compromisso de universalização do saneamento que o país assumiu para com os seus cidadãos. Ainda assim, cinco capitais da região Norte e três da região Nordeste não tratam sequer 35% do esgoto gerado. Neste ano, de eleições municipais, é preciso trazer o saneamento para o centro das discussões”, comenta Luana Siewert Pretto, Presidente-Executiva do Instituto Trata Brasil. Para Gesner Oliveira, sócio executivo da GO Associados, o setor começa a reagir e a observar melhora em alguns indicadores com o Novo Marco do Saneamento, em especial, nos municípios onde ocorreram leilões recentemente. “No entanto, o avanço ainda é tímido e se quisermos atingir a universalização em tempo hábil até 2033, é necessário que o investimento anual mais do que dobre, saindo de seus R$ 22 bilhões anuais para quase R$ 47 bilhões anuais, conforme estimativas do PLANSAB. Tal mudança só ocorrerá havendo uma enorme coordenação entre todos os agentes, supervisionada pelo poder público. Neste sentido, é imprescindível que o saneamento básico seja uma política de Estado, e não de governo”.