Blocos ofertados podem somar mais emissões que o agro nos últimos seis anos

12/06/2025
Organizações da sociedade civil, bem como indígenas e de comunidades tradicionais, denunciam esse retrocesso e exigem a suspensão imediata do leilão da ANP.

A Nacional do Petróleo (ANP) finalizará em 17 de junho o 5º Ciclo da Oferta Permanente de Concessão, um mega leilão de 172 blocos para exploração de petróleo e gás, incluindo áreas da Margem Equatorial, nas bacias da Foz do Amazonas e Potiguar. Organizações da sociedade civil, bem como indígenas e de comunidades tradicionais, denunciam esse retrocesso e exigem a suspensão imediata do leilão da ANP. Além disso, mostram o impacto dessa oferta nas emissões de gases de efeito estufa, com consequente agravamento das mudanças climáticas.

A queima do petróleo e gás nos blocos ofertados pode emitir mais de 11 bilhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (tCO2e), segundo estimativa do ClimaInfo. O montante é mais do que o agronegócio emitiu nos últimos seis anos e 5% de tudo que a humanidade ainda pode emitir para manter o aquecimento global em 1.5oC. Apenas os combustíveis fósseis das 47 áreas na bacia da Foz do Amazonas poderão emitir 4,7 bilhões de tCO2e, caso os blocos sejam explorados. Além da Foz do Amazonas, o território amazônico abriga outras seis bacias sedimentares: Parecis, Solimões, Amazonas, Parnaíba, Barreirinhas e Pará-Maranhão. O potencial total estimado de petróleo e gás sob essas bacias é de quase 60 bilhões de barris. Se confirmado - e explorado -, a queima associada desses combustíveis fósseis poderia emitir cerca de 24 bilhões de tCOe, quase a metade de todas as emissões globais de 2023 (57 bilhões de toneladas) ou tudo que o Brasil emitiu nos últimos 11 anos. 

O governo brasileiro afirma querer liderar o debate climático global, especialmente ao sediar a COP30 em Belém, mas as falas da presidente da Petrobras, Magda Chambriard, do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e do presidente Lula, seguem na contramão do que exige uma transição energética justa. Enquanto Lula faz discursos sobre a chamada “Amazônia Azul” e assume compromissos climáticos formais, o governo almeja ampliar a fronteira fóssil em uma das regiões mais sensíveis e estratégicas do planeta para o equilíbrio climático.

Recentemente, mais de 60 Caciques da região do Oiapoque se opuseram às atividades da Petrobras na bacia da Foz do Amazonas, apontando falta de consentimento livre, prévio e informado (CLPI), bem como riscos a vidas, territórios e ao futuro da Amazônia. Na semana passada, autoridades e lideranças Indígenas da Pan-Amazônia, representando os nove países da região, juntamente com líderes dos povos indígenas de todos os biomas do Brasil, publicaram declaração política para a COP30, que entre outras demandas, reiterou a necessidade de abandonar os combustíveis fósseis. Não haverá justiça climática nem futuro possível com mais petróleo na Amazônia. “Sabemos quais são as soluções para as múltiplas crises que enfrentamos: proteger integralmente nossos territórios, que são grandes sumidouros de carbono. Há milênios, vivemos e cuidamos da Amazônia, garantindo o equilíbrio do clima e da vida. A crise é também de valores e liderança. Com a COP30, o governo Lula precisa escolher: apoiar os povos da Amazônia ou seguir apostando no petróleo? O tempo das contradições acabou. Como guardiões da floresta, reafirmamos nossa autoridade climática: A RESPOSTA SOMOS NÓS”, disse Toya Manchineri, coordenador geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB).

Para Ilan Zugman, diretor para a América Latina e Caribe da 350.org, não existe liderança com incoerência. Não existe transição energética justa com mais petróleo. “Estamos falando de bilhões de toneladas de gases de efeito estufa a mais em um momento em que o mundo inteiro precisa parar de queimar combustíveis fósseis para conseguir reverter o estrago que já fizemos. Os povos indígenas e as comunidades tradicionais já disseram não. A ciência já disse não. E a sociedade civil está dizendo não. Esse leilão precisa ser cancelado imediatamente. O Brasil não pode se tornar símbolo da hipocrisia climática global, tem que ser exemplo de coragem, justiça e respeito à vida”. Já Sila Mesquita, Coordenadora Nacional do Grupo de Trabalho Amazônico comentou que a Rede de Trabalho Amazônico (GTA) repudia o leilão de petróleo e gás marcado para o dia 17, que coloca 47 blocos para oferta na Amazônia. “Esse leilão representa uma ameaça direta à Amazônia, aos povos tradicionais e ao clima do planeta. Em vez de investir em energia limpa e proteger a floresta, o governo insiste em combustíveis fósseis e destruição. Somos contra esse modelo de desenvolvimento. A Amazônia não está à venda. Está viva, e vai resistir”.

Carolina Marçal, Coordenadora de projetos do instituto ClimaInfo disse que é preciso um acordo global para eliminação gradual dos combustíveis fósseis. “Enquanto isso não acontece, as petroleiras não deveriam abrir mais poços de exploração de petróleo e gás. E isso deve começar pela Amazônia, que é uma área crítica para a biodiversidade e o clima global. Precisamos de liderança climática que vá além do discurso, e isso não acontecerá abrindo novas frentes de exploração na Amazônia”. Para Gisela Hurtado, coordenadora de campanhas pela Amazônia na Stand.earth, a exploração de petróleo nunca trouxe desenvolvimento para a Amazônia. “Em vários países da região, como Peru, Equador e Colômbia, a exploração de petróleo historicamente violou direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais, gerou impactos irreversíveis ao meio ambiente, agravando a desigualdade enquanto gera riqueza para poucos. O Brasil tem agora a chance de liderar pelo exemplo, suspendendo o leilão e mostrando ao mundo, na COP30, que está pronto para um futuro justo, sustentável e livre de combustíveis fósseis”. Para Suely Araújo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima : “O Brasil está perdendo oportunidade histórica de liderar pela descarbonização e proteção ambiental do planeta. Com olhar para o passado, o governo expõe cada vez mais a decisão já tomada de aumentar - e muito - a produção de petróleo no país. Em plena crise climática, cria fissuras irreparáveis em sua política ambiental e demonstra, na prática, negacionismo. Negacionismo não em relação às mudanças climáticas, elas são uma realidade que se impõe a todos, mas à gravidade da situação atual. Não podemos aceitar essa decisão do governo brasileiro. Não à exploração de petróleo na Foz do Amazonas e em outras bacias da Margem Equatorial brasileira. Não ao aumento da produção petroleira no país”.