2025 é considerado ano chave para avanços do setor

07/01/2025
O mercado privado de água e tratamento de esgoto desde 2020 – aprovação do marco do saneamento - viu a presença de operadores sem controle estatal saltar de 5% para 30% dos municípios, um crescimento de 466%

Segundo levantamento da Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (ABCON), o mercado privado de água e tratamento de esgoto desde 2020 – aprovação do marco do saneamento - viu a presença de operadores sem controle estatal saltar de 5% para 30% dos municípios, um crescimento de 466%. Com as concessões municipais e regionais feitas em 2024, 1.648 cidades brasileiras passaram a ser atendidas por grupos privados, ante 291 em 2019. Para 2025, a expectativa é ainda maior devido a realização prevista de leilões em estados como Pernambuco, Pará e Rondônia. “Há 34 projetos sendo modelados no BNDES, mas a expectativa é de que 24 saiam ainda em 2025, com uma atração de investimento de R$ 74,6 bilhões”, afirma Christianne Dias, diretora-executiva da ABCON.

Sancionado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Marco Legal do Saneamento Básico estabeleceu metas para a universalização dos serviços de água e esgoto e buscou atrair investimento privado para o setor.

Christianne Dias afirma que o crescimento rápido do setor privado no saneamentofez a entidade recalcular suas próprias metas. “No passado, tínhamos uma perspectiva de subir para 40% a participação no setor de saneamento”, diz. “Estamos remanejando essa expectativa. Achamos que vamos alcançar 50% do mercado no final desse ano”. Radamés Casseb, CEO da Aegea, resume 2024 como “um ano de muito trabalho”. A companhia adquiriu dois grandes ativos - a Corsan, no Rio Grande do Sul, onde atende seis milhões de pessoas, e o Rio de Janeiro, com 10 milhões— o grupo continuou participando de novas concessões.

A Aegea disputou todos os grandes leilões de 2024: Sergipe, Piauí e de PPPs da Sanepar (Companhia de Saneamento do Paraná). A empresa venceu os dois últimos  e era apontada como grande competidora na privatização da Sabesp, mas acabou não fazendo proposta. “Se estamos na Corsan, Porto Alegre é um alvo estratégico para a companhia”, diz o CEO.

Radamés diz que a espinha dorsal da estratégia para 2025 será fortalecer e adensar os chamados clusters, que são os aglomerados onde a companhia atua. Segundo ele, a Aegea estuda todos os editais, até mesmo para “entender a cabeça do modelador”, mas o objetivo clássico do setor é ganhar escala com a atuação, e isso significa fortalecer os clusters. “São projetos que têm densidade por si só em regiões onde a companhia não tem presença. Nessa lista entram grandes cidades, como Belém e região metropolitana, e alguns municípios da região amazônica, que tem um nível de densidade populacional alta e desafios sobre os quais a companhia já conhece. A concessão de Pernambuco também está no radar”, diz. Dos grandes leilões de 2024, o único que a Aegea não levou foi o de Sergipe, vencido pela Iguá, que também ganhou uma PPP da Sanepar. “Fechamos o ano num tom bastante positivo e com o desafio da integração de Sergipe e da Sanepar. Uma vez que essas operações estiverem no trilho, estaremos com mais abertura para olhar outras coisas”, diz Roberto Barbuti, CEO da Iguá.

Para Barbuti, o principal desafio será a operação em Sergipe. Segundo ele, a Iguá vai começar “do zero” sua atuação no estado, sem nenhum funcionário. “Vamos montar uma equipe de cerca de mil pessoas. Não se faz isso da noite para o dia”. Para 2025, Barbuti diz que a prioridade será consolidar os dois novos ativos. Segundo ele, a Iguá já havia definido uma estratégia de focar projetos de maior porte. Operações com menos de 200 mil habitantes, por exemplo, não interessam tanto à companhia, a não ser que tenham sinergia com o portfólio atual. “Neste momento, temos uma lição de casa a fazer. Quanto mais rápido e com mais qualidade fizermos, mais rápido podemos
explorar essas [novas] oportunidades”, afirma o CEO.

O marco do saneamento aprovado no Governo do ex-presidente Jair Bolsonaro determina que 99% da população seja atendida com abastecimento de água e 90% com esgotamento sanitário até 2033. No entanto, estudo publicado em julho de 2024 mostra que o cenário brasileiro ainda é “precário”, com cerca de 32 milhões de brasileiros sem acesso a água potável e mais de 90 milhões sem coleta de esgoto. É um absurdo Porto Velho ter só 41% da população com acesso à água. Então, se estados como Pará, Rondônia, Acre, entre outros com indicadores muito ruins, se movimentarem para atrair investimento em saneamento básico, como o Amapá fez lá atrás, temos uma perspectiva futura bem melhor”, afirma Luana Pretto, presidente do Instituto Trata Brasil. Luana comenta que o ritmo de investimento por habitante cresceu significativamente após o marco do saneamento. Em 2020, a média anual era de R$ 72 por habitante, valor que subiu para R$ 82 no ano seguinte e R$ 111 em 2022 —último ano com informações disponíveis.

Já Marcos Montenegro, coordenador do Ondas (Observatório Nacional dos Direitos à Água e ao Saneamento), é crítico em relação
ao avanço de privatizações. Além de ver um risco de sucateamento das estruturas de saneamento ao final dos contratos, ele questiona o modelo de pagamento de outorgas nos leilões. “O convencimento de governadores e prefeitos para fazerem concessão tem uma palavra-chave, que não é água, não é esgoto, não é universalização. Chama-se outorga”, diz. “Em leilões de serviços de água e esgoto, é comum que os operadores privados tenham que pagar pelo direito de uso dos recursos hídricos e pela exploração econômica da operação. Essas licenças são chamadas de outorgas e, muitas vezes, são usadas como critério para definir o vencedor dos certames: quem oferecer mais leva o contrato”, diz Montenegro. O representante do Ondas considera isso um escândalo. “Esse dinheiro faz falta numa redução da tarifa, porque é possível licitar pelo critério de maior abatimento da tarifa ou de quem dá mais pelo contrato. Quem dá mais pelo contrato significa que a empresa pôs [as outorgas] dentro dos seus custos”.

Luana Pretto, do Trata Brasil, considera 2025 um ano chave para o futuro da universalização do saneamento, já que marca o início de novos mandatos municipais. “Os prefeitos que vão assumir têm uma responsabilidade gigantesca, porque temos até 2033 para concluir a universalização. Ou seja, se nesses próximos quatro anos eles não fizerem a parte deles, vão condenar o atingimento da meta”, diz. Para a especialista, a prioridade para 2025 deve ser melhorar a regulação infranacional, o que ajudaria a atrair investimentos. O CEO da Aegea, Radamés Casseb, tem a mesma avaliação. “O grande desafio do saneamento é amadurecer o ecossistema
financeiro, que será “o grande herói da universalização. Reduzir esse spread de risco que atribuem ao setor por ser jovem, e possibilitar que novas concessões e o avanço da
cobertura —que depende de um arranjo de capital intensivo—estejam mais eficientes”, diz.