Queimadas alertam para a necessidade de reduzir emissões
Coordenadores e pesquisadores do Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais se reuniram no Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas (IG-Unicamp) para debater as prioridades atuais em pesquisas na área, além do desenvolvimento de integração entre os projetos, a fim de estimular interações, estruturar ideias e atividades conjuntas. Recentemente, o Observatório do Clima divulgou estudo em que aponta a necessidade do Brasil diminuir em 92% as emissões de GEE até 2035, com o objetivo de limitar em 1,5°C o aquecimento global. “A cada dia que passa a crise climática se intensifica e é necessário prover informações, gerar conhecimento de ponta e, principalmente, as soluções para que o país possa avançar nas ações de mitigação, adaptação e no desenvolvimento econômico sustentável”, disse Luiz Aragão, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e assessor de Mudanças Climáticas da Coordenadoria de Programas Estratégicos e Infraestrutura da Diretoria Científica da FAPESP.
Aragão mencionou que 70% das emissões de GEE são originárias das mudanças no uso do solo, o que torna fundamental trabalhar o setor de florestas e de agropecuária. “O desafio é muito grande. Temos de ter investimentos robustos e de longo prazo nessa área”, afirmou. O cientista propõe a criação de uma linha de fomento de urgência devido às queimadas no estado de São Paulo e outras unidades federativas, com avaliações rápidas das propostas para que possam prover diagnósticos precisos sobre os impactos desses eventos. A Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA, na sigla em inglês), dos Estados Unidos, apontou 2024 como o ano mais quente da história e que há ainda um aumento de 1,9°C sobre o continente em 2024. “Estamos ultrapassando o limite de 1,5°C e temos consequências visíveis”.
Para o pesquisador Célio Haddad, professor do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (IB-Unesp), em Rio Claro, que representou o diretor científico da FAPESP no evento, o tema é muito relevante e afeta diretamente a sociedade, inclusive as espécies. “Se é difícil adaptar nossa economia, nossas vidas, às mudanças climáticas, imaginem espécies que evoluíram ao longo de milhões de anos, muitas incapazes de se adaptar a essas mudanças profundas que ocorrem num curto período de tempo”. Durante o evento, os pesquisadores apoiados no âmbito do PFPMCG trocaram contribuições sobre seus trabalhos e levantaram pontos em comum. No total, o programa criado em 2008 já apoiou 157 projetos de pesquisa, 32 em vigência, com cerca de 690 jovens pesquisadores formados em nível de mestrado e doutorado e mais de uma centena sendo capacitados atualmente.
Um dos pontos levantados no evento foi a necessidade de aprimorar os modelos climáticos e de tempo. “Ainda existem modelos, inclusive os usados pelo IPCC [Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, da Organização das Nações Unidas], que consideram dois tipos de árvores para a região tropical, quando existem muito mais”, disse David Lapola, vice-coordenador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (Cepagri), da Unicamp. O pesquisador se dedica a medir os efeitos do dióxido de carbono (CO2) sobre as árvores, o que demanda experimentos em campo, grandes bancos de dados e supercomputadores para realizar as modelagens e prever cenários para o futuro. Uma das dificuldades dos modelos de clima e de tempo é justamente a falta de integração entre os dados. Pensando nisso, um consórcio de pesquisadores de diversas partes do mundo está desenvolvendo um modelo comunitário. "O objetivo é simular oceano, continente, atmosfera, um modelo do sistema terrestre que vai ser comunitário, unificado, com um único código computacional. É um novo paradigma, inclusive falando de América Latina”, comentou Gilvan Sampaio, pesquisador do Inpe. Um dos avanços do novo modelo, batizado de Monan (Modelo de Predição de Oceano, Terra e Atmosfera, na sigla em inglês), é que será único, eliminando a separação entre modelos globais e regionais, como se faz hoje. Na primeira versão, prevista para começar a operar em 2025, a previsão do tempo poderá ser feita para dez e para três quilômetros. “Isso pode ser ainda mais refinado para alguns locais, como a Região Metropolitana de São Paulo, que pode chegar a um quilômetro”, explicou.
Sampaio e Lapola afirmam a necessidade de repositórios de dados abertos e curados para alimentar os modelos. Além disso, algo que já está em uso na Europa e que poderia ser integrado às pesquisas locais são as ferramentas de inteligência artificial, capazes de tornar os modelos ainda mais precisos. Em um cenário com cada vez mais eventos extremos, a previsão do tempo é uma ferramenta fundamental para planejar as ações de enfrentamento. Em uma intervenção da plateia, a pesquisadora Luciana Gatti, do Inpe, lembrou que estamos observando um aumento no número de mortes por eventos extremos. “O Estado de São Paulo é o segundo em número de mortes por estes eventos, provavelmente porque é o mais desmatado do Brasil. Precisamos de uma política clara para mitigar e dirimir o que está acontecendo. Vamos caminhar para um cenário cada vez pior de ondas de calor e sabemos a tarefa gigante que temos pela frente”, disse.