Apesar dos avanços, COP28 deixa a desejar
Os países reunidos na 28ª Cúpula do Clima da ONU, COP28, em Dubai, aprovaram um roteiro para a “transição dos combustíveis fósseis” pela primeira vez. A COP28 estava programada para terminar na terça-feira (12), mas intensas negociações durante a noite sobre se o resultado incluiria um apelo à “redução gradual” ou “eliminação gradual” do aquecimento do planeta por meio da exploração de petróleo, gás e carvão prorrogou a conferência. Este foi o principal ponto de conflito que coloca ativistas e países vulneráveis, como os insulares, em oposição a nações mais desenvolvidas. Os negociadores da COP28 também concordaram em assumir compromissos para triplicar a capacidade das energias renováveis e duplicar a eficiência energética até 2030, além de terem realizado progressos em relação à adaptação e ao financiamento.
A COP28 decidiu também um Fundo para Perdas e Danos, concebido para apoiar os países em desenvolvimento vulneráveis ao clima, onde países prometeram centenas de milhões de dólares para a iniciativa; Firmados compromissos de US$ 3,5 bilhões para repor os recursos do Fundo Verde para o Clima; Novos anúncios totalizando mais de US$ 150 milhões para o Fundo dos Países Menos Desenvolvidos e o Fundo Especial para Mudanças Climáticas; Um aumento anual de US$ 9 bilhões por parte do Banco Mundial para financiar projetos relacionados com o clima de 2024 a 2025; Apoio de quase 120 países sobre a Declaração sobre Clima e Saúde para acelerar ações para proteger as pessoas dos crescentes impactos climáticos; Assinatura de mais de 130 nações da Declaração COP28 sobre Agricultura, Alimentação e Clima para apoiar a segurança alimentar e, ao mesmo tempo, combater as alterações climáticas e o endosso de 66 países para o Global Cooling Pledge, que visa reduzir as emissões relacionadas ao resfriamento em 68% a partir de hoje.
O documento final das decisões acordadas pelos países participantes, o chamado “Consenso dos Emirados Árabes Unidos”, tem como destaques o compromisso de conter a elevação da temperatura média do planeta em 1,5°C e a menção a “transition away” (algo como transição na direção da eliminação) dos combustíveis fósseis, com o objetivo de contribuir para o alcance do net zero de emissões até 2050. “Reafirmar a meta do 1,5°C é muito relevante porque, para além desse limite, os impactos das mudanças climáticas serão irreversíveis e intensos. O alinhamento global nessa direção é fundamental, e esse foi um ponto pelo qual os negociadores brasileiros trabalharam muito”, destaca Renata Piazzon, diretora-geral do Instituto Arapyaú. “Esse alinhamento precisa se dar com a revisão das NDCs, aguardadas para 2025. Elas devem promover a redução drástica de emissões de gases de efeito estufa, conforme apontado pelas evidências científicas. Mas precisam focar principalmente em ações concretas”, afirma Lívia Pagotto, secretária executiva da Uma Concertação pela Amazônia.
Com essas e outras decisões, o documento procura responder aos resultados do Global Stocktake, o primeiro balanço global sobre os esforços para cumprir com as metas estabelecidas no Acordo de Paris e, assim, mitigar as mudanças climáticas e enfrentar suas consequências. O Brasil buscou retomar sua posição como uma das lideranças na agenda climática internacional, encerrou sua participação com a missão de atuar para que a COP30, de 2025, seja a mais relevante desde o Acordo de Paris. Até lá, o País precisa deixar lições de casa feitas.
Ao final de duas semanas de debates e negociações das Partes, como são chamados os países que participam da COP, especialistas do Instituto Arapyaú e da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia, bem como de organizações parceiras como Nature Finance, Itausa, Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e Consórcio Amazônia Legal, avaliaram os principais resultados desta conferência. Um ponto considerado positivo foi a implementação do Fundo de Perdas e Danos. “Foi sem dúvida um grande marco desta COP”, afirma Renata Piazzon. “Menos pelo volume de recursos e mais pelo fato de que o fundo será operacionalizado”, conclui. O fundo, inicialmente hospedado no Banco Mundial, será composto por recursos destinados de forma voluntária pelas nações desenvolvidas. Até o momento, o montante está em pouco mais de US$ 700 milhões, valor considerado insuficiente para mitigar os impactos que os países em desenvolvimento e mais vulneráveis já sofrem. Estima-se que os danos somem globalmente algo entre US$ 100 bilhões e US$ 580 bilhões por ano.
Por outo lado, a forma como os combustíveis fósseis foram tratados não agradou boa parte. "A transição dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos (transition away) de uma forma justa, ordenada e de forma equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir zero emissões líquidas até 2050 de acordo com a ciência”. O documento não fala em eliminar totalmente, ou mesmo gradualmente, o uso dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás), como queriam alguns países e boa parte da sociedade civil presente na COP. Mas, por outro lado, a menção a combustíveis fósseis também foi vista como positiva, já que finalmente o tema foi nomeado com ênfase no documento. Outro ponto que deixou a desejar foi a questão da adaptação – ou seja, as ações necessárias para os países e populações se prepararem e se adequarem às consequências das mudanças climáticas. O documento final não estabelece um cronograma e nem apresenta como aumentar o financiamento para esse tipo de ação. O texto final da COP destaca que as necessidades financeiras de adaptação dos países em desenvolvimento são de US$ 215 a 387 bilhões por ano até 2030. As partes deixaram acordado que deve haver um balanço entre o financiamento para adaptação e mitigação e foi lançado um programa de dois anos com indicadores para medição dos progressos. As ações devem ser estabelecidas pelas nações de acordo com suas realidades locais. Na opinião de Marcelo Furtado, head de sustentabilidade da Itaúsa e diretor da Nature Finance, o tema acabou deixando de ser central devido ao foco que foi dado à questão dos combustíveis fósseis. “A agenda da adaptação é de grande importância, especialmente porque, pelo menos neste momento, estamos caminhando para ultrapassar o limite de 1,5°C e precisamos fazer frente ao aumento da intensidade dos fenômenos climáticos mais severos. Melhor adaptação significa menos perdas e danos”.
Quanto aos sistemas alimentares, responsáveis por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, a COP28 anunciou já no segundo dia a “Declaração sobre Agricultura Sustentável, Sistemas Alimentares Resilientes e Ação Climática”. Os países que a adotaram se comprometeram a incluir a questão dos sistemas alimentares em suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) e em seus planos nacionais de adaptação. “Já passamos de 150 países signatários, incluindo o Brasil. Essa é uma agenda bastante importante para o contexto brasileiro, pois somos relevantes internacionalmente como produtor de alimentos e também somos um país megabiodiverso. É preciso pensar na transformação de sistemas alimentares conectando-os com clima, natureza, geração de renda e inclusão social”, afirma Laura Lamonica, gerente-executiva da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Para Marcello Brito, secretário-executivo do Consórcio Amazônia Legal, Dubai contribuiu para um novo tipo de discussão. “Esta COP abriu a porta para falarmos da transição de um mundo que discute finanças com base no carbono, que trata mais de remoções, para um que vai trabalhar finanças em cima de natureza, que se trata de conservação e pessoas. A abertura dessa agenda é o que levo de importante desta COP”, destaca. A COP28 teve recorde de 84 mil participantes, o que aponta presença significativa de representantes de empresas e de organizações da sociedade civil. Assim, além das negociações oficiais, aconteceu uma série de painéis e debates sobre as mais variadas agendas. Apesar disso, houve críticas. “Uma estrutura muito grande levou à maior dispersão, inclusive física, das ações promovidas pela sociedade civil, setor privado e academia na COP, o que dificultou uma participação mais integradora das diferentes agendas e pessoas”, afirma Lívia Pagotto, secretária executiva da iniciativa Uma Concertação pela Amazônia.
As duas próximas COPs ocorrem em Cabul, no Azerbaijão (COP29) e em Belém (COP30) e o resultado de Dubai é fundamental para que o Brasil possa delinear os caminhos até 2025, quando Belém recebe o evento, com entregas e metas mais ambiciosas de redução de emissões de gases de efeito estufa, ações para adaptação e resiliência e transição justa. Este caminho passa também pelo encontro do G20, em 2024, sob a presidência do Brasil e que reunirá as maiores economias do mundo, responsáveis por 80% das emissões e 75 % de todo o comercio global. “Esta é a grande oportunidade para avançarmos onde a COP28 foi muito tímida, como financiar uma economia positiva para o clima, natureza e pessoas. Será uma grande oportunidade para o Brasil pautar o potencial da bioeconomia e novos modelos de financiamento para as soluções baseadas em natureza”, disse Marcelo Furtado.
A COP29, no ano que vem, deverá ter como foco a revisão de metas de financiamento. Assegurar o financiamento é peça-chave para implementar as ações de enfrentamento à crise climática, em especial para países em desenvolvimento, enquanto a COP30 terá como grande expectativa a discussão em torno de novas NDCs dos países que, espera-se, sejam mais ambiciosas. O Global Stocktake evidenciou que os atuais compromissos de redução e mitigação dos gases de efeito estufa são insuficientes para a manutenção do 1,5°C. “Para o contexto brasileiro em si, o desafio agora é como transformar os resultados da COP28 em políticas domésticas que nos permitam apresentar resultados concretos até 2025. E assim colocar o Brasil como protagonista na diplomacia da agenda internacional do enfrentamento das mudanças climáticas, ainda mais considerando nossa rota daqui até lá, com o país na presidência do G20 em 2024”, afirma Laura Lamonica, da Coalizão Brasil.