Por Luana Siewert Pretto *
Passados pouco mais de 70 anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos no mundo, o acesso à água potável e ao saneamento minimamente básico ainda é uma realidade distante de muita gente. Tão distante que virou uma questão de saúde pública: a Organização Mundial da Saúde (OMS), por exemplo, aponta que a maior parte das atuais doenças infecciosas e um quarto das mortes de crianças com menos de 5 anos podem estar relacionadas a fatores ambientais, como poluição, falta de esgoto tratado e uso de água imprópria para o consumo.
Nos países de terceiro mundo, isso é ainda mais evidente. No Brasil, por exemplo, os números claramente constatam a gravidade do cenário. Estima-se que, hoje, 35 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável e 100 milhões de pessoas carecem dos serviços de esgotamento sanitário.
O fato é que foi no meio deste cenário caótico, em julho de 2020 foi aprovado o novo marco legal do saneamento básico (lei 14.026/2020), que traz uma nova esperança para o Brasil uma vez que essa nova legislação tem como objetivo minimizar os problemas e desigualdades regionais existentes.
O Marco Legal do Saneamento foi criado exatos 10 anos depois da Organização das Nações Unidas (ONU) declarar que o acesso à água limpa e segura e ao saneamento básico são, sim, direitos humanos fundamentais. Ainda que atrasada, a legislação pode ser o passo que faltava para enfrentar as condições insalubres do país e transformar para sempre a realidade imposta à maioria da população brasileira.
A norma, que acaba de completar um ano, estabelece diretrizes que ajudam a reorganizar a regulamentação do setor e buscar uma solução definitiva para universalizar o serviço de fornecimento de água e de coleta e tratamento de esgoto. Junto com ela, novas - e ousadas - metas foram traçadas: até 2033, 99% da população deve estar com água potável e 90% com tratamento e coleta de esgoto.
Como fazer isso?
O governo federal já deu a letra: a capacidade de investimento público no setor (com recursos próprios ou provenientes de financiamentos) é de R$ 7 bilhões por ano, o que se mostra insuficiente para a necessidade do Brasil hoje - que é no mínimo dez vezes maior. A ajuda, portanto, precisa vir de outras frentes. Por isso, a legislação abre caminho para uma solução compartilhada. Ou seja: ela legitima o acesso das empresas privadas, junto das públicas, aos processos licitatórios voltados à prestação desse serviço.
Neste cenário, a indústria precisa estar preparada para oferecer materiais adequados para consolidar o acesso de todos a esses serviços tão BÁSICOS!
Para a universalização e atingimento de metas traçadas pela legislação, estima-se investimentos na ordem de R$ 498 bilhões, sendo necessária a expansão de 500 mil quilômetros de rede. Desse montante, R$ 144 bilhões envolvem a rede de água (211,6 mil quilômetros) e R$ 354 bilhões, a rede de esgoto (288,7 mil quilômetros). E mais: é preciso avaliar toda a rede já em operação. Para isso, são necessários R$ 255 bilhões para substituir as depreciadas e reduzir as perdas de água.
Em relação aos investimentos em tubulações, devem ser aplicados R$ 99,261 bilhões - R$ 56,202 bi para rede de água e R$ 43,059 bi para a rede de esgoto.
Como se percebe, a mudança da realidade do saneamento no Brasil exige preparo de toda a cadeia envolvida. O Marco Legal do Saneamento tem potencial para suprir a defasagem histórica de ineficiência, mas só vai, de fato funcionar, se houver mudança real de paradigma e de prioridades. Estamos diante do futuro do saneamento e as empresas do setor de materiais estão preparadas, alinhadas e dispostas a colaborar.
As expectativas vão muito além de resolver o saneamento básico. A Confederação Nacional da Indústria (CNI), por exemplo, já apontou que a universalização dos serviços de água e esgoto pode reduzir em até R$ 1,45 bilhão os custos anuais com saúde. E a OMS afirma que cada R$ 1 investido em saneamento deve gerar uma economia de R$ 4 com a prevenção de doenças causadas pela falta do serviço.
O acesso ao saneamento básico, portanto, é um direito de todos e uma condição essencial para assegurar o desenvolvimento sustentável brasileiro. Sem ele, todos os demais direitos básicos vinculados à garantia da dignidade humana (como o direito à vida e a um nível adequado de saúde e bem-estar) se tornam inatingíveis. O Brasil somente caminhará para um desenvolvimento pleno, se cumprir com seus propósitos e estabelecer uma política que consiga concretizar a garantia de uma vida digna e justa a todos os seus filhos.
* Luana Siewert Pretto é Engenheira civil, com mestrado na área de Análise Multicritério e cursando doutorado na área de Engenharia do Conhecimento, pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diretora de Relações Institucionais e Governamentais da Associação Brasileira de Materiais para Saneamento (ASFAMAS) e conselheira de administração certificada pelo Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).