Cascas de ovo em resíduo da mandioca ajudam a produzir biogás

11/02/2025
O trabalho buscou otimizar a digestão anaeróbia destes resíduos para a produção de biogás, uma fonte de energia renovável, e de um digestato, com potencial aplicação como fertilizante orgânico.

De acordo com estudo da pesquisadora sergipana Ianny Andrade Cruz, o uso da manipueira, um resíduo líquido extraído da mandioca, resultou na criação de um sistema de produção e monitoramento de biogás e fertilizantes orgânicos com o uso da própria manipueira e de cascas de ovos, adicionadas para aperfeiçoar o beneficiamento biológico de resíduos comuns do agreste de Sergipe. O estudo é tema de uma tese de doutorado que foi defendida em fevereiro de 2023 e teve parte de suas pesquisas realizadas no Laboratório de Tecnologias da Biomassa (BTL), ligado à Universidade de Sherbrooke (UdeS), em Sherbrooke, no Canadá, onde Ianny fez estágio em 2022 e voltou para fazer um pós-doutorado. Vinculado à linha de pesquisa ‘Uso e Transformação de Recursos Agrícolas’, o trabalho buscou otimizar a digestão anaeróbia destes resíduos para a produção de biogás, uma fonte de energia renovável, e de um digestato, com potencial aplicação como fertilizante orgânico. E este processo seria monitorado por um sistema ligado à chamada Internet das Coisas (IoT).

Natural do Povoado Gameleira, em Campo do Brito, no agreste sergipano, Ianny escolheu a manipueira como objeto de estudo não apenas como uma conexão com suas raízes familiares, mas também uma oportunidade de contribuir diretamente para a redução dos impactos ambientais associados ao descarte inadequado desses resíduos. “Por fim, queremos incentivar a ideia de que esse resíduo ainda pode ser transformado em uma fonte adicional de renda para os agricultores”, diz ela, citando que o biogás oferece uma série de benefícios ambientais, econômicos e sociais, num contexto de crescente demanda por energia limpa e renovável. “Foi justamente saber de todos esses benefícios que me incentivou a continuar pesquisando sobre o tema, e tentando contribuir de alguma forma para nossa região. Cada dia tenho maior certeza da importância deste tema para o alcance de uma economia circular”, acrescenta.

Segundo a pesquisadora, o Brasil tem um alto potencial de biomassa agrícola e agroindustrial, o que inclui a mandioca como uma das culturas socioeconômicas essenciais do País, explorada por agricultores familiares no Norte e Nordeste, e que gera um volume considerável de resíduos. “Nossa pesquisa veio justamente para buscar uma solução para a recuperação destes recursos, bem como para uma produção simultânea de energia renovável. Valendo apontar que a conversão de resíduos orgânicos em biogás é um processo que não só aborda desafios da gestão de resíduos, mas também contribui para a redução das emissões de gases estufa e a autossuficiência energética do Brasil”.

Durante a pesquisa, Ianny notou que o cálcio presente nas cascas de ovos, em certas quantidades, tornou mais estável o processo de beneficiamento da manipueira, bem como levou a uma maior produção de biogás. No entanto, a avaliação do digestato (o segundo produto do processo) através de um teste com sementes de alface (Lactuca sativa) demonstrou toxicidade para as sementes. Este resultado sugeriu a necessidade de um maior tempo de residência de digestão ou mesmo algum pós-tratamento antes da aplicação do digestato como fertilizante. A tese, orientada pelos professores Luiz Fernando Romanholo Ferreira e Ranyere Lucena de Souza, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos (PEP), da Universidade Tiradentes (Unit), foi uma continuidade da dissertação de mestrado “Construção de um reator Anstbr automatizado de baixo custo para produção de biogás”, que já buscava formas de otimização da digestão anaeróbia, através do monitoramento do processo.

Após participar de um evento promovido pela UdeS com a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a então doutoranda foi aprovada para um estágio no BTL, laboratório que concentra suas pesquisas no beneficiamento de biomassas para produção de combustíveis renováveis e redução das emissões de gases de efeito estufa, além de trabalhar em parcerias com as indústrias locais de Québec, a província canadense onde fica a cidade de Sherbrooke. Desde então, ela mora na cidade canadense e continua trabalhando com a produção de biogás. Ela já teve uma primeira experiência de intercâmbio em 2014, quando estudava a graduação em Engenharia de Petróleo na Unit e aluna participou do programa Ciência sem Fronteiras, oferecido na época pelo Ministério da Educação (MEC). O programa permitiu que ela fizesse um ano de mobilidade acadêmica na Universidade do Alaska Fairbanks (UAF), nos Estados Unidos, onde fez uma série de disciplinas referentes ao seu curso de origem. “O Canadá oferece um ambiente acadêmico de excelência, uma infraestrutura avançada, incentivos à transição energética e à busca ativa pela redução das emissões de carbono. O país investe em inovação tecnológica voltada para soluções sustentáveis, o que me proporcionou acesso a recursos e conhecimentos que enriqueceram ainda mais meu trabalho. Estar em um ambiente tão integrado entre academia e indústria tem ampliado minha visão sobre como soluções sustentáveis podem ser implementadas de forma eficiente e escalável”, conclui Ianny.