Estudo mostra que mudanças no Atlântico Norte impactam hemisfério Sul

04/06/2025
Os autores identificaram que, em geral, quando o Atlântico está mais frio, há menos chuvas em algumas áreas. Por sua vez, quando a temperatura está mais alta, a tendência é chover mais.

Segundo estudo publicado por pesquisadores brasileiros e da Alemanha e Estados Unidosda Universidade de São Paulo pelo Instituto de Geociências (IGc) e Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG), além de autores de outras instituições na revista Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, as variações de temperatura no Oceano Atlântico Norte podem impactar diretamente o regime de chuvas na América do Sul. O levantamento mostrou que atualmente a parte norte do Oceano Atlântico (que banha as costas da América do Norte e da Europa) esquenta ou esfria por longos períodos (um fenômeno chamado Oscilação Multidecadal do Atlântico - AMO) e a quantidade de chuva em diferentes regiões da América do Sul é afetada.

Os autores identificaram que, em geral, quando o Atlântico está mais frio, há menos chuvas em algumas áreas. Por sua vez, quando a temperatura está mais alta, a tendência é chover mais. Para chegar a essa conclusão, o grupo analisou o isótopo de oxigênio chamado δ¹⁸O, que funciona como uma espécie de “assinatura química” da água e ajuda a entender padrões climáticos do passado. As assinaturas se relacionam com a temperatura do ar, quantidade de chuva, altitude, umidade do ar e distância do oceano. Segundo os estudiosos, os resultados do trabalho estão em consonância com registros naturais do clima conhecidos em análises feitas anteriormente, como é o caso de estalagmites encontrados em cavernas e em camadas de gelo antigas. O período estudado – denominado como Era Glacial - compreendeu, aproximadamente, entre os anos 1300 e 1850. “A identificação de que essa assinatura se altera de acordo com as fases quentes ou frias do Atlântico contribui para a compreensão dos atuais ciclos de chuva em nosso continente”, explica Giselle Utida, pesquisadora de pós-doutorado do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo e coautora do estudo.

Se a Oscilação Multidecadal do Atlântico (AMO) é um ciclo natural de aquecimento e resfriamento das águas do Atlântico Norte que influencia a chuva e a composição química da água na América do Sul, os pesquisadores analisaram especialmente o comportamento do isótopo δ¹⁸O como uma "assinatura" da água da chuva e, com isso, reconstruíram – em computador - o clima do passado. As simulações feitas com o modelo iCESM1.2 foram comparadas com dados de registros naturais (como estalagmites e sedimentos) já publicados. Os resultados sugerem que tais variações no Atlântico podem alterar a intensidade e posição da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), uma faixa de nuvens e chuvas tropicais, ajudando a explicar padrões observados no clima sul-americano ao longo dos séculos. “Entender como o clima do passado se comportava contribui para pesquisas futuras, incluindo a identificação de possíveis mudanças climáticas, principalmente neste cenário de aquecimento global”, reforça Giselle Utida.

Os pesquisadores afirmam que durante a Pequena Idade do Gelo, o Atlântico Norte viveu sua fase mais longa de resfriamento dos últimos três mil anos. Mesmo com um número crescente de dados sobre o clima antigo da América do Sul, há dúvidas sobre como exatamente a AMO afetou as chuvas na região durante esses períodos históricos. Ao comparar as simulações do modelo com registros antigos de cavernas (espeleotemas) da América do Sul, os cientistas descobriram que durante a Pequena Idade do Gelo, o modelo mostrou mudanças significativas na quantidade de chuva na Amazônia ocidental e nos Andes, mas essas mudanças não apareceram nos registros isotópicos como era esperado. Isso sugere que os mecanismos por trás dessas variações climáticas podem ser mais complexos do que se imaginava.

Nos países sul-americanos, as chuvas oscilante bastante entre as estações devido principalmente pelo fenômeno chamado Sistema de Monções da América do Sul (SAMS), que influencia o clima da região e está ligado a grandes zonas de nuvens e chuvas. Há duas áreas importantes de formação de nuvens e chuvas, denominadas como Zona de Convergência Intertropical (ITCZ), uma faixa de nuvens próxima ao Equador, onde os ventos de baixa altitude trazem muita umidade, formando muitas nuvens e chuvas e a Zona de Convergência do Atlântico Sul (SACZ), uma faixa de nuvens que se estende do sul da Amazônia até o sudeste do Brasil, também responsável por grande parte das chuvas de verão. As simulações feitas indicam que a ligação entre o oceano e a atmosfera ajuda a explicar as mudanças sazonais nas características da chuva, especialmente na forma como a água da chuva carrega certos isótopos (tipos de átomos). Os resultados possibilitam sugerir que as mudanças na força dessa zona de convergência podem estar por trás de padrões climáticos diferentes observados em partes do hemisfério norte.

Além de Giselle Utida, do IAG, os demais autores são Francisco Cruz, do Instituto de Geociências (IGc-USP); Jelena Maksic, Marília Harumi Shimizu, Gilvan Sampaio e Murilo Rub Lemes, todos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Marília Harumi Shimizu, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Cristiano Mazur Chiessi, da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH/USP); Matthias Prange, da Universidade de Bremen, na Alemanha, e Mathias Vuille, da Universidade de Albany, nos Estados Unidos. O estudo está disponível no https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0031018224006187?via%3Dihub.