O que zoonose e saneamento têm em comum? A saúde pública, respondeu Amélia dos Santos, bióloga, bacharel e licenciada em Ciências Biológicas e mestre e doutora em Ciências, na área de Ecologia, pelo Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo, durante webinar sobre o tema realizado na manhã de 17 de fevereiro, nas dependências da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental – Seção São Paulo (ABES-SP), por meio de sua Câmara Técnica de Saúde Pública.
De acordo com Amélia dos Santos, a definição clássica esclarece que zoonoses são doenças transmitidas de animais para humanos e vice-versa. Já para a Organização Mundial da Saúde (OMS), zoonoses são “doenças (agentes, infecções) que podem ser naturalmente transmitidas entre (outros) vertebrados e o homem”. Até aí, nada novo – desde a antiguidade o homem relaciona doenças a certos animais. Especificamente no Brasil, a relação de mosquitos hematófagos à transmissão de doenças já havia sido descrita por Gabriel Soares de Souza, em 1587. Mas somente no século XX, com maior conhecimento da biologia, é que aconteceu a sistematização de conceitos, princípios e profilaxias dos agentes etiológicos e atualmente pode-se dizer que o país vive um de seus momentos mais críticos com os recentes relatos de casos de febre amarela.
Em sua apresentação, Amélia dos Santos afirma que 80% das infecções humanas tiveram ou têm origem zoonótica e que estas são as principais doenças em saúde pública, muito relacionadas a vírus, bactérias, protozoários, helmintos e fungos; os hospedeiros são os animais de produção ou pets e a todo o momento surgem novas zoonoses; e viroses estão cada vez mais sendo associadas a morcegos.
As zoonoses são classificadas de acordo com o sentido de transmissão, com o ciclo de manutenção do agente e com o elo de transmissão/manutenção. De acordo com a bióloga, estima-se que gorilas do sul de Camarões, na África, tenham sido os primeiros reservatórios do HIV – “então, a relação do homem sem maiores cuidados com os animais silvestres trouxe o vírus para o nosso meio”, exemplifica Amélia, citando ainda os morcegos frugívoros (Pteropodidae) como transmissores do vírus Ebola. Mas também existem patologias transmitidas ao homem por água e alimentos, alerta a pesquisadora.
Todo ser vivo precisa de alimento e de abrigo e quando se promove um desequilíbrio ambiental (desmatamento, queimadas, por exemplo), esses organismos se transferem para outros locais, dando origem às zoonoses emergentes – doenças que eventualmente aparecem do manejo inadequado do meio ambiente, como as causadas pelos carrapatos e pelos ratos, por exemplo. Por esta razão é que se faz fundamental manter o equilíbrio ambiental para solucionar problemas de zoonoses.
Na área urbana o problema ganha maior evidência em regiões onde corre o esgoto a céu aberto, em áreas de enchentes frequentes e nas habitações inadequadas, sem a infraestrutura necessária de saneamento. Somam-se a esses itens o manejo inadequado de resíduos (os lixões e seus vetores) e o aquecimento global, que amplia período de reprodução de vários vetores, especialmente do Aedes aegypit, mosquito causador da dengue, chikungunya, zika e também associado à febre amarela.
De acordo com a bióloga, o saneamento traz soluções importantes, ao abordar, além do tratamento da água e coleta e tratamento de esgotos, a drenagem e a limpeza urbanas, além do manejo de resíduos sólidos e águas pluviais – “um conjunto de ações que se bem implantadas e orientadas é capaz de diminuir as zoonoses”. Para ter uma ideia da importância do serviço, Amélia Santos ressalta que “um grama de fezes pode conter 10 milhões de partículas virais, um milhão de bactérias, 1.000 cistos de parasitas e 100 ovos de parasitas. Isso mostra o quanto a falta do saneamento dissemina os vetores e suas doenças”, finaliza a professora.