Lei que trata das sanções tem falhas de natureza criminal
“A Lei nº 9.605/1998 que trata das sanções penais e administrativas de condutas prejudiciais ao meio ambiente tem falhas de natureza criminal e apresenta um déficit do Judiciário brasileiro”, afirmou o presidente da Comissão de Direito Ambiental do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Paulo de Bessa Antunes, especialista na área, durante o evento “O papel do Poder Judiciário na preservação do meio ambiente”, promovido pela entidade, no último dia 28 de setembro.
Bessa disse que as penas previstas na lei são brandas, com violações caracterizadas como crimes de menor potencial ofensivo: “A grande maioria dos crimes tipificados na lei de crimes ambientais têm penas inferiores há quatro anos. Se pegarmos o caso de crime de poluição, por exemplo, ele tem uma pena equivalente à pena do furto simples, que é de quatro anos”. O especialista recorda os desastres ambientais com o rompimento das barragens de Mariana (2015) e Brumadinho (2019). “Os acidentes mostraram que nós não temos uma norma penal, e também na área da responsabilidade civil, capaz de tratar situações dessa gravidade”. Durante a abertura do evento, o 1º vice-presidente do IAB, Carlos Eduardo Machado, afirmou que a agenda ambiental, valorizada pelo novo governo federal, é de suma importância para o papel do Brasil no cenário internacional. “Nesse aspecto, o Judiciário também desempenha um importante papel, tendo em vista as inúmeras questões que são levadas e decididas em matéria de meio ambiente, uma delas que, inclusive, não está ligada apenas ao meio ambiente, é a do marco temporal”, disse o advogado.
O evento também teve a participação da secretária municipal de Meio Ambiente e Clima do Rio de Janeiro, Tainá de Paula, do secretário-geral do IAB, Jorge Rubem Folena, e da diretora de Diversidade e Representação Racial da entidade, Edmée da Conceição Cardoso. Jorge Folena considera que a lei é boa, mas prevê sanções brandas demais para a prática de crimes ambientais. “Quem defende esses crimes são pessoas que têm um comportamento reacionário”, criticou o advogado. Folena disse ainda que é importante garantir o desenvolvimento da sociedade, mas é preciso pensar nos limites desse avanço: “Qual é o custo para esse progresso e de que tipo de progresso nós estamos falando? É destruindo todas as florestas e causando degradações ambientais e climáticas?”, questionou.
Para Tainá de Paula, a Constituição é um marco que consolidou diferentes legislações sobre o meio ambiente: “A constituinte incluiu uma série de artigos onde o direito à água, à terra, à biodiversidade e à dignidade humana, associados a elementos da natureza, fazem parte de um arcabouço que até então era colocado no Direito Internacional”. Para a secretária, o poder público e entes do Direito precisam ser agentes que promovam o debate com a sociedade sobre a pauta ambiental. “É importante que o Poder Judiciário e esse ecossistema jurídico estejam cada vez mais abertos e estabeleçam instrumentos de diálogo, para que consigamos arejar as nossas decisões jurídicas. O letramento jurídico também parte do dia a dia, do cotidiano das pessoas. O diálogo das secretarias municipal e do estado de Meio Ambiente com as populações afetadas é muito importante”, afirmou.
Sobre o racismo ambiental, Edmée da Conceição Cardoso afirmou que o recorte racial é fundamental para o debate. “Com as alterações climáticas, a vítima das tragédias é a população negra e periférica”, afirmou. Para a advogada, a falta de saneamento básico, a proximidade dos lixões e as doenças geradas por esse cenário compõem um quadro de injustiça ambiental que deve ser debatido no Judiciário. “Cabe ao sistema de justiça o papel de garantir a uma população vulnerável – que é a negra e periférica – o acesso à justiça ambiental. Ao Poder Judiciário cabe essa tarefa constitucional, com decisões que atendam aos anseios da sociedade”, completou a advogada.