Poluição na água do Tietê atinge 207 km de extensão

21/09/2024
Apesar de melhorias pontuais em alguns trechos, a extensão da mancha de água imprópria para usos múltiplos alcançou 207 km, um crescimento de 29%

A SOS Mata Atlântica lançou recentemente o estudo ‘Observando o Tietê, às vésperas do Dia do Rio Tietê, celebrado em 22 de setembro, onde ficou constatado uma piora na poluição do maior rio do Estado de São Paulo. Apesar de melhorias pontuais em alguns trechos, a extensão da mancha de água imprópria para usos múltiplos alcançou 207 km, um crescimento de 29% em comparação ao ano anterior, quando a mancha cobria 160 km. O Tietê tem 1,1 mil km da nascente à foz e atravessa o estado de São Paulo, passando por áreas urbanas e de importante produção industrial, de energia hidrelétrica e agropecuária. O rio é dividido em seis unidades de gerenciamento de recursos hídricos (UGRHs), as chamadas bacias hidrográficas. A bacia do rio Tietê abrange 265 municípios, num total de mais de nove milhões de hectares – 79% inseridos no bioma Mata Atlântica.

O relatório, produzido no âmbito do projeto Observando os Rios, com recorte especial para o rio Tietê, teve a participação de 44 grupos de voluntários em 28 municípios, sendo 22 pontos na cidade de São Paulo, com dados da SOS mata Atlântica e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). O estudo utilizou 16 indicadores de qualidade seguindo o Índice de Qualidade da Água (IQA), abrangendo 39 rios da bacia do Tietê a partir do monitoramento de 61 pontos de coleta. Desses, 62% apresentaram qualidade de água regular, 11% boa e 26% ruim ou péssima. A qualidade da água do rio Tietê foi monitorada num total de 576 km, desde a sua nascente em Salesópolis até Barra Bonita, na hidrovia Tietê-Paraná. Água de boa qualidade foi encontrada ao longo de 60 km entre a nascente e Mogi das Cruzes, que se somam a outro trecho de 59 km na região do Reservatório de Barra Bonita, entre São Manoel e a foz do rio Piracicaba. 

A condição regular da água foi registrada em 250 km, em três segmentos ao longo do Médio Tietê. Mas a poluição torna a água imprópria para usos múltiplos em 207 km (com qualidade ruim em 131 e péssima em 76), o que representa 35,9% do total monitorado – um aumento considerável em relação aos 27,7% do ano anterior. A extensão da mancha de poluição teve variações ao longo dos anos, com momentos de redução e aumento. Desde 2021, no entanto, cresceu 143,5%, passando de 85 para 207 km. Na região das cabeceiras do Alto Tietê, entre Suzano e Guarulhos, os indicadores também exibem uma tendência de agravamento nas condições ambientais. E, assim como nos anos anteriores, não houve trechos com água qualificada como ótima em toda a bacia monitorada. “Poluir um rio é rápido, mas a recuperação é lenta e exige um estado de atenção constante, com melhorias contínuas nas estruturas de saneamento e na educação ambiental para evitar sua degradação”, comenta Gustavo Veronesi, coordenador do Observando os Rios. 

Atualmente, o estado de São Paulo tem projetos estruturais de saneamento em curso, como o atual Integra Tietê, do governo estadual, mas a qualidade da água continua a ser comprometida por condições locais – seja de poluição por esgoto, gestão de reservatórios e operação de barragens, clima ou resultante de atividades agropecuárias ou de remanescentes de efluentes tratados, mas em carga superior à capacidade de diluição dos rios. A SOS Mata Atlântica propõe a integração de Soluções Baseadas na Natureza ao projeto Integra o Tietê, propondo a criação de um parque linear que conecte a Represa de Guarapiranga, o Rio Pinheiros, o Rio Tietê e o Parque Ecológico do Tietê. A ideia é disponibilizar mais de 50 km de áreas verdes ao longo dos rios. É importante ainda o tombamento e a proteção integral das corredeiras do Vale do Tietê, que contribuem expressivamente para a oxigenação e a depuração da água, para o ressurgimento da vida aquática e para a melhoraria das condições ambientais na região do Médio Tietê.  “Parques lineares seguem o percurso de rios, canais ou outras vias naturais para oferecer espaços de lazer e promover o equilíbrio ambiental. A criação de um ao longo do rio Tietê é uma medida urgente para São Paulo mitigar os efeitos das chuvas intensas e das ondas de calor. A vegetação auxilia na infiltração da água das chuvas, reduzindo enchentes, e proporciona um microclima mais fresco com a sombra das árvores e solos permeáveis”, explica Veronesi.

Há ainda outro fator de alerta para a sociedade: a recente privatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, a Sabesp, responsável até hoje pelo Projeto de Despoluição do Rio Tietê, com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “Desde a primeira etapa do Projeto de Despoluição do Tietê, no início dos anos 1990, a SOS Mata Atlântica acompanha e monitora a qualidade da água, mensurando a evolução da mancha de poluição sobre o rio para dar transparência e capacidade de governança dessas ações à sociedade. Agora, com a concessão da Sabesp à iniciativa privada, será preciso compatibilizar as metas do projeto com a capacidade de execução da empresa que assumiu a estatal, pois o Projeto Tietê impacta a vida de milhões de pessoas", afirma Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica. 

O estudo aborda ainda o histórico do rio Sena, palco este ano de competições dos Jogos Olímpicos de Paris. No século 20, o Sena foi declarado “morto” devido à intensa poluição industrial e urbana, o que comprometeu gravemente sua biodiversidade e afastou a população. A partir da década de 1990 que um projeto de longo prazo incluiu rigorosas medidas de saneamento, controle de poluição industrial, apoio a práticas agrícolas sustentáveis e reinserção de espécies aquáticas. Ainda assim, o objetivo de torná-lo totalmente balneável ainda não foi plenamente alcançado. Durante as Olimpíadas, por exemplo, ainda havia uma percepção de que, apesar dos avanços significativos, o Sena ainda não era um rio seguro para práticas esportivas e de lazer. “Assim como vimos em Paris, onde um compromisso sério e de longo prazo tem conseguido reverter um quadro de poluição extrema, é possível revitalizar o Tietê. Mas é importante reconhecer que o caminho é longo e desafiador. Precisamos de políticas públicas consistentes e da mobilização de todos os setores da sociedade para que São Paulo e o Brasil tenham, de fato, rios limpos e vivos novamente”, completa Veronesi.