Pesquisadores estudam agave para uso na geração de bioenergia

16/10/2024
As plantas demandam menos água e fertilizantes [em comparação com a cana], crescem em cinco anos e geram 800 toneladas de biomassa por hectare

Segundo dados do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) existe um crescimento de 7,5 km² da região com clima semiárido no Brasil em razão das mudanças climáticas. Este aumento é contabilizado desde 1990 e equivale a cinco vezes a área da cidade de São Paulo, sendo que o cenário pode comprometer o cultivo de algumas plantas, como, por exemplo, a cana-de-açúcar, utilizada na geração de bioenergia. Com isso em mente e com o desejo de encontrar soluções para mitigar as alterações do clima, um grupo de pesquisadores brasileiros começou a buscar plantas com potencial para serem usadas na geração de bioenergia e que podem ser cultivadas onde o clima não é favorável à cana-de-açúcar. Desta forma, os pesquisadores optaram ao estudo do Agave, um gênero de plantas suculentas que abrange mais de 200 espécies e é muito usado, no México, para a fabricação da tequila.

Durante a FAPESP Week Itália, o professor do Instituto de Biologia da Unicamp (IB-Unicamp) Marcelo Falsarella Carazzolle apresentou resultados recentes sobre o estudo. Carazzolle coordena a iniciativa ao lado de Gonçalo Pereira, também da IB-Unicamp. O evento, que terminou ontem (15/10) e foi realizado em parceria com a Alma Mater Studiorum - Università di Bologna (Unibo). “No Brasil a principal espécie cultivada é a Agave sisalana, cujas folhas são usadas na fabricação da fibra do sisal. Porém, esse processo aproveita apenas 4% da planta, gerando um grande volume de resíduos que hoje é colocado no campo para degradar”, contou o pesquisador. “Contudo, é possível gerar bioenergia tanto a partir do suco extraído das folhas, que é rico em inulina, um tipo de açúcar, quanto a partir do bagaço, rico em celulose. Além das folhas, a pinha do agave também acumula muita inulina que pode ser utilizada. As plantas demandam menos água e fertilizantes [em comparação com a cana], crescem em cinco anos e geram 800 toneladas de biomassa por hectare”.

O grupo tem coletado diferentes espécies de agave em todo o Brasil e em países como México e Austrália para compor um banco de germoplasma, além de investigar o fenótipo das plantas, avaliando a composição de açúcares, a taxa de fotossíntese e de crescimento, o quanto necessita de irrigação e sua relação com o solo, entre outros fatores. Com base nessas informações, desenvolve estratégias que ajudem a superar os desafios envolvidos na transformação do agave na “cana do sertão”. Uma das principais dificuldades é que a levedura normalmente usada na produção de etanol, a Saccharomyces cerevisiae, não é capaz de metabolizar a inulina, que é um polímero de frutose e precisa ser hidrolisado para liberação de açúcares fermentescíveis. O grupo desenvolveu uma cepa geneticamente modificada para esse fim e a patente do processo foi depositada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI). Também foram desenvolvidas e patenteadas leveduras modificadas para metabolizar a xilose, um dos açúcares presentes no bagaço.

Outro desafio enfrentado pelos pesquisadores é a busca de bioestimulantes e fertilizantes capazes de acelerar a taxa de crescimento do agave, considerada lenta. “Estamos patenteando um composto que aumenta em duas vezes [a taxa de crescimento] e identificamos outros quatro, que se mostraram promissores, avaliando as bases moleculares e seus mecanismos de ação”, contou. Outro avanço foi o desenvolvimento de uma planta geneticamente modificada para se tornar tolerante ao glifosato, um dos herbicidas mais usados no mundo. “Patenteamos o protocolo para transformação genética do agave, pois mesmo no semiárido a competição com ervas daninhas é grande”. O objetivo final do projeto é tornar possível produzir não apenas etanol a partir do agave, como também biometano, bio-hidrogênio e biochar.

A palestra apresentada por Carazzolle integrou um painel dedicado a debater o sistema agroalimentar e o desenvolvimento sustentável. Outros participantes foram Lucas Rios do Amaral, da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Unicamp; Valda Rondelli e Matteo Vittuari, ambos do Departamento de Ciências Agrícolas e Alimentares da Unibo. A coordenação da mesa foi feita por José Paulo Molin, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq-USP). “A agricultura tem crescido rapidamente no Brasil. A produção começou a escalar no país por volta de 1950/1960. O <em>starting point</em> desse processo foi o começo da mecanização, que tornou possível cultivar grandes áreas. E isso está intimamente ligado à chegada dos imigrantes, principalmente da Itália e da Alemanha. E eles ainda estão no país hoje, na forma de grandes empresas [produtoras de máquinas agrícolas]”, contextualizou Molin. “Agora estamos dando o próximo passo que é a automação. Isso envolve, por exemplo, ferramentas de inteligência artificial embarcada nas máquinas”, disse o professor da Esalq ao introduzir o tema abordado na palestra de Amaral, que apresentou resultados de um projeto financiado pela FAPESP. “Precisamos aumentar a produção de comida porque a população está crescendo. Mas é preciso otimizar o uso de recursos naturais, tornar o processo mais sustentável. A fertilização é um dos recursos mais importantes para nós, pois no Brasil temos solos pobres. O uso inadequado de fertilizantes aumenta os custos de produção e causa impactos ao meio ambiente. Nesse cenário, a agricultura de precisão se torna uma alternativa”, explicou Amaral.

Há uma grande variabilidade na qualidade do solo em regiões agrícolas e tratar toda a área de forma homogênea representa um desperdício de recursos, acrescentou o pesquisador. Para evitar isso, o agricultor precisa contratar empresas que avaliam essa variabilidade por meio da coleta manual de inúmeras amostras, que são analisadas em laboratório. Os resultados dão origem a um “mapa de prescrição”, que indica onde é preciso aplicar mais ou menos determinado produto. O objetivo do projeto de Amaral é otimizar a coleta de amostras por meio de dados obtidos a partir de sensoriamento remoto (satélite e drones) e proximal (equipamentos embarcados em tratores, por exemplo). “Meu foco não é prover o mapa para o agricultor e sim dar suporte aos prestadores de serviço que fazem isso. Centenas de empresas fazem a coleta de amostras para gerar o mapa. Tento deixar esse processo mais eficiente, de modo que seja preciso coletar menos amostras para gerar um mapa ainda mais preciso”, explicou. Valda Rondeli apresentou projetos ligados ao desenvolvimento de veículos autônomos de uso agrícola, entre eles tratores. A ideia é usar equipamentos inteligentes para obter dados e desenvolver sistemas capazes de apoiar a tomada de decisão nas fazendas. “Estamos no tempo do big data. Precisamos usar inteligência artificial para manejar os dados e obter a informação certa no tempo certo", pontuou. á Matteo Vittuari tratou de como estimular políticas públicas voltadas a promover a transformação do sistema alimentar e o desenvolvimento sustentável. E também falou sobre como engajar os cidadãos e as instituições nesse processo e como medir os impactos dessas estratégias.